« Como é bom dormir oito | Main | Some things are pure delight. »
agosto 11, 2004
Mais tarde, quase no fim
Mais tarde, quase no fim da aula, afastei os olhos do livro A dama do cachorrinho, que lia em voz alta, para colocá-los fixamente no olhar inocente e ainda não corrompido da moça judia, gorda, séria, compassiva, de Beverly Hills, que se sentara na fila da frente, durante todo o período, anotando tudo quanto eu digo. Li para toda a classe o último parágrafo do conto, em que o casal adúltero, abalado ao constatar o quanto se amava, procura em vão "compreender por que ele devia ter uma mulher e ela um marido". "Parecia-lhes, então, que em apenas alguns minutos mais encontrariam uma solução, e que uma vida nova e bela ia começar. Entretanto, ambos sabiam muito bem que o fim ainda estava muito, muito longe, e que a parte mais complicada e difícil estava apenas principiando." Ouço a minha voz falando da enternecedora transparência do final - nada de falsos mistérios, apenas os fatos rígida e diretamente apresentados. Falo da proporção da história humana que Tchékhov consegue incorporar e quinze páginas, de que maneira o ridículo e a ironia, gradativamente cedem lugar, mesmo em tempo tão curto, à tristeza e ao patético, se seu sentimento pelo momento da desilusão e por aqueles processos em que o momento presente aparentemente se apodera até das nossas mais inocentes ilusões, não falando dos grandes sonhos de realizações e aventuras. Falo de seu pessimismo e daquilo que ele denomina "esse negócio de felicidade pessoal", e durante todo o tempo desejo perguntar à roliça garota da primeira fila, que rapidamente passa para o seu caderno tudo quanto digo, se ela quer ser minha filha. Desejo pagar suas roupas e as contas do médico e, quando estiver se sentindo triste ou só, que venha e passe os braços ao redor do meu pescoço. Se apenas tivéssemos sido Helen e eu que a houvéssemos criado assim tão meiga! Mas como poderíamos nós dois criar alguma coisa? [O Professor do Desejo, Philip Roth, pág 64]
...
O controle que exerci sobre mim, desde o desaparecimento de Helen, dissipou-se num instante e eu, então, senti necessidade de virar o rosto, pressionando-o contra a janela obscurecida da sussurante aeronave, que nos está levando de volta à pátria, a fim de completarmos, legal e ordenadamente, o desmembramento de nossas vidas destroçadas. Choro por mim mesmo, choro por Helen, e finalmente, choro mais ainda ao compreender que ainda não foi destruída a última coisa e que, apesar da minha absorvente obsessão com a infelicidade matrimonial e o desejo romântico de chamar meus jovens alunos para virem em meu auxílio, de certo modo tenho de fazer com que essa filha de Veverly Hills, doce, roliça, incólume e ainda sem temores, termine o segundo ano da universidade com a composição de um soturno e belo lamento, que sintetiza o que ela chama "a global filosofia de vida de Anton Tchékhov". Mas será que o professor Kepesh lhe ensinou isso? Como? Como? Estou começando a aprendê-lo nesse vôo! "Nascemos inocentes", a moça escreve, "sofremos terríveis desilusões antes de ganharmos experiência e, depois, tememos a morte. . . e nos são concedidos apenas fragmentos de felicidade para compensar o sofrimento." [pág 80]
O Philip Roth ontem começou a compartilhar umas coisas antigas comigo aqui.
--------
Posted by parada at agosto 11, 2004 03:40 PM
Trackback Pings
TrackBack URL for this entry:
http://www.insanus.org/mt/mt-tb.cgi/6415