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agosto 05, 2004

Nunca gostei de café puro.

Nunca gostei de café puro. Eu queria gostar por algum motivo que me foge. Mas era um hotel de cinco estrelas e eu por diversão conversava e tirava fotos mulheres de bikini que tomavam café, algumas conhecidas outras não. Andando pelo local me dou de cara com o chef do hotel, descansando em uma cadeira de tomar sol. Comentei pra ele que não gostava de café, e logo ele respondeu com o rosto como se dissesse espere até tomar o que eu faço. Começou a despejar numa xícara bem grande e quando estava quase pronto um sorriso me chamou e zarpei dalí.

Daí não achei mais o chef, que tinha deixado seu cartão onde havia seu endereço. Achei falta de educação ele ter preparado o café e eu ter sumido. Peguei uma bicicleta preta, sem marcha, de ferros altos e largos, e andei até encontrar sua casa. Encontrei. Antes de bater palmas, olho pro lado e vejo que é uma casa conhecida. Não é possível, penso, até que uma moça de bicicleta vem vindo na direção. Olho de longe e a imagem me lembra a Tainá. A medida que se aproxima dá pra ver com clareza: não é que é ela mesmo. O irmão do chef, idêntico a ele só que com os traços de nordestino mais acentuado, chega trazendo pães e guloseimas de padaria. A Tainá veio me cumprimentar e eu, feliz da vida, dei a idéia de irmos comprar pão pra depois pegarmos o famosíssimo café do chef e fazermos uma surpresa pro meu amigo Daniel.

De início eu ia sozinho. Ela entrou em sua casa e voltou correndo, quase saltitante, muito mais feliz. Não disse nada, mas rimos. Montou na garupa e tratei de mandar força no pedal. Descemos a ladeira pedregosa sem trocar nenhuma palavra, apenas rindo cada vez mais que a bicicleta tremia e pulava por causa dos paralelepípedos. Até que começou a pegar um certo embalo, e para meu desespero, começou a tocar no meu walk-man mental a música "Transmission" do Joy Division. Que não tinha fim, só aumentava a velocidade, assim como a bicicleta. E quanto mais eu ficava tenso, mais ela se divertia, mexendo as pernas e tirando a mão do guidão, levantando pro alto por alguns segundos. Rindo e ao mesmo tempo tenso, tentei de tudo para controlar a bicicleta, mas não deu. Tava muito rápido e capotamos de uma forma horrível.

Foi tão forte o tombo e era tão duro e agressivo o paralelepípedo que não sentia dor. Estava num estranho estado de semi-consciência onde ainda resistia o humor bizarros das risadas idiotas de segundos atrás. Podia sentia que estava prestes a desmaiar, então fiz força pra manter a consciência. Vi os joelhos e canelas da senhora Müller Natal ralados. Olhei pro rosto e vi que tava tudo bem alí, graças ao capacete. Estava deitada aparentemente numa boa, apesar do tombo. Mas também sem constrole sobre seu corpo. Quem já levou tombo feio de bicicleta sabe o que é essa paralisia momentânea. Até que percebi algo de diferente na minha mão. Olhei pra ela e tinha apenas o toquinho do indicador e do dedo médio. Só o toquinho com menos de dois centímetros, com a carne aberta na ponta. Meu dois dedos tinham sido amputados durante o tombo. Só não desesperei muito porque meu estado não permitia. Olhei pro chão e vi os dois dedos jogados. Peguei os dois dedos avulsos e levantei pertinho dos olhos, maravilhado de horror. Com a sensação deles não estarem mais conectados comigo. Apontei os dois pro rosto da minha amiga que nunca conversei e falei "Você precisa me levar pra um hospital senão vou perder meus dois dedos." O que não causou muita comoção. Olhei pro toco de novo e coloquei os dois dedos dentro do meu bolso. Não era boa a sensação de ter eles avulsos no bolso da calça jeans.

Agora já posso dizer que é certo. Ler antes de dormir o "Minha Idéia de Diversão" do Will Self me dá pesadelos.
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Posted by parada at agosto 5, 2004 03:53 PM

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