Samjaquimsatva






Mr. Beast

Ninguém vai gostar do disco novo do Mogwai. Meu pai não vai achar nenhuma música bonita. A maioria dos meus amigos não vão achar nenhuma música ducaralho. Vão ficar curiosos, ouvir uma vez e esquecer. A Pitchfork vai dar uma nota baixa. Vão dizer que eles não vão conseguir produzir discos tão bons quanto as obras-primas do “Young Team”, “Come On Die Young” e “Rock Action”. Que eles perderam o rumo. Que o desapego à fórmula levou a uma abstração excessiva peculiar nas novas bandas de post-rock, que parecem não saber aonde quer chegar.

De início vou concordar com isso tudo. Vou ouvir o disco algumas vezes e nada vai me impressionar logo de cara. Vou desanimar um pouco. Vou ouvir mais algumas vezes e achar menos estranho. Mas não vou desistir tão cedo. Vou continuar ouvindo. Vou ouvir baixo, de madrugada. Vou ouvir no fone de ouvido. Vou ouvir muito alto, à tarde, quando estiver sozinho em casa. Vou ouvir das mais diferentes maneiras possíveis, no quarto, no carro, no banheiro. Até começar a decorar todos os acordes, saber as batidas da bateria e a progressão das melodias.

Vou ouvir muito até começar a perceber a beleza escondida nas profundezas das camadas de barulhos e os milhares de efeitos sobrepostos. Deixar toda essa informação me anestesiar pra deixar bater só as notas que eu nunca tinha percebido, e achar elas a forma mais pura de som jamais produzida. Vou ouvir até que cada progressão das músicas me cause um frio na espinha. Que ouvindo alto eu fique com um certo torpor mental que lembra um pouco chorar, sem que nenhuma lágrima surja. Vou ouvir até perceber com clareza que nunca tinha tido uma experiência parecida proporcionada pelo white noise das guitarras e o piano da “Friend of the Night”. Que a “Glasgow Mega-Snake” é a mais pesada que eles gravaram até hoje e que ouvindo alto lembra algum fenômeno assustador da natureza. Vou ouvir até conseguir depurar tudo que a “Travel Is Dangerous” traz o noise e o vocal ao mesmo tempo. Até que tudo crie um sentido e beire o insuportável de tão belo.

Então depois desse tempo todo vou ter certeza que Mr. Beast foi a evolução perfeita do Mogwai. Que esse disco é tão bom quanto os outros. E vou ficar ouvindo por uns dois anos. Não vou descobrir nada que me impressione igual, até que eles lancem outro disco novo. E perceber que a cada disco novo do Mogwai é uma experiência nova, e que é preciso descobrir o caminho que leva até essa experiência. Que eles são mesmos muito geniais e sempre quebram a expectativa de todo mundo. Que sempre aparecem muito felizes nas fotos de divulgação. Ouço as músicas consideradas tristes e entendo porque eles sempre parecem tão felizes. E eu fico um bocado alegre de existir, do Mogwai existir, e de poder ouvir as músicas deles.