Samjaquimsatva






Recife e Salvador

Minha viagem-festa-de-formatura ao Nordeste valeu a pena. Apagou todas as lembranças ruins que eu tinha de lá. Só deixou um monte de lembranças boas. Dessa vez, ao invés de ouvir axé por todos os cantos, vi um show do Dominguinhos. Mestre da humildade. Emocionei quando tocou uma reza muito lenta na sanfona, de maneira completamente descompromissada. Dessa vez, ao invés de comida sem graça, teve muito peixe bom, frutos do mar, pastel de carne seca, acarajé e uma bisteca de bode que me fez esquecer de todos os bons modos pra ficar roendo ossos por vários minutos, impossibilitado de conversar, feliz como um cachorro. Dessa vez, ao invés de companhia ruim e nordestinos estereotipados, pessoas divertidas e nativos de bem com a vida. Apesar de sempre serem vistos com mau olhos, a cultura e o espírito do povo nordestino é uma das maiores riquezas do Brasil.

Minha primeira parada foi em Recife. Foi lá que conheci a bisteca de bode. E a praia onde ninguém entra na água por causa dos alertas de ataque de tubarão. Água no umbigo, sinal de perigo. Uma hora foi engraçado com uma 10 pessoas correndo pra fora d’água. Conheci Porto de Galinhas e outras belas praias, porém o que mais gostei em Recife foi caminhar pela cidade. O Centro de Recife não se diferencia do Centro de outras cidades grandes, mas há uma espécia de conexão maior entre as pessoas alí. Parece que alguma coisa une todas elas. Que elas não são pontos isolados na multidão. Em Recife Antigo o velho e o novo se misturam. Dá vontade de tirar foto a cada esquina. Em cada esquina também eu lembrava de alguma letra do Chico Science (Chico Sais, em recifês). Fiquei imaginando o impacto que foi ele ter surgido. A importância que teve para a cultura local e o que causou na juventude recifense. Não é à toa que os shows da Nação Zumbi na cidade parecem mais um culto religioso. Com o público gritando “Chico” antes do show e o chapeuzinho que ele usava ficar posto em um pedestal no palco. Trechos das músicas que não ouço há anos vinham em minha mente durante as caminhadas. E reconhecia as músicas tradicionais que ouvi em Olinda. Maracatu, baque solto, baque virado. Impressionante como depois de Chico Science aquilo tudo pedia uma guitarra. Sempre o considerei um dos maiores gênios da música brasileira. Vendo aqueles ritmos sendo tocados em algum beco em Olinda, dava muita vontade de tomar umas canas e sair batucando junto com o povo. Hipnotizante. O sotaque de Recife também é o mais agradável que ouvi até hoje. Quem quer ser arrogante ou cínico por lá deve ter muita dificuldade.

Já Salvador eu não imaginava ser tão bem cuidada. Indo do aeroporto para casa onde ficamos, fiquei muito transtornado de ir vendo as paisagens que pintam toda cidade. É a mistura de uma cidade com todas as características de uma capital com um lugar paradisíaco, com o mar e praias lindíssimas. De um lado congestionamento, ônibus barulhentos; de outro um horizonte lindo, o mar infestado de surfistas esperando uma boa onda. Eu torcia para ficar preso em alguns dos pontos de congestionamento da cidade. Até as favelas aglomeradas nos morros beirando a praia são bonitas. Experimentei momentos bastante paradisíacos na Bahia. A praia Ponta de Areia, na ilha de Itaparica, foi um desses lugares. Depois de pegarmos o barquinho de R$ 2,50 que nos leva até à ilha, e a combi que nos deixou em uma estrada de areia, andamos uns 500m até chegar na praia. Mar azul e verde, areia branca, praia vazia. Detalhe: com um enorme restaurante para nos servir. Entrando no mar, ficando na sombra do coqueiro, almoçando uma porção gigante de camarão, tomando cerveja, entre outras coisas, lembrei das descrições dos livros de budismo sobre o reino dos deuses. Sem dúvida alguma eu estava num. Na cidade, ficamos em uma casa na ladeira da Barra, perto de uma praia de no máximo uns 500m de extensão. Essa praia me deixou com muita vontade de morar alí, só pra poder nadar todo dia na praia ao invés de piscina. Nenhuma onda, água cristalina. Fui muito pro fundo e enxergava tudo lá debaixo, olhando por cima d’água. Pena que não levei meu óculos de nadar. Iria ficar apavorado. E essa praia é a mais popular do bairro. No fim de semana lota. É aquela saforada. Mas percebe-se, estando alí, como o bahiano consegue ser feliz com sua cidade.

O melhor de tudo dessa viagem foi não encarar as coisas como turista. Não fazer programas de turistas e não conhecer os lugares que os turistas vão. A melhor maneira de conhecer um lugar é fazendo parte do dia-dia dos moradores. Pegando ônibus, andando de combi detonada, de embarcação humilde, caminhando longos trechos a pé e assim tendo vários pequenos contatos com as pessoas de lá. Inesquecível a cena de uma menina vestida de coelho e outra de mamãe noel debaixo de um baita sol, em uma pequena estrada em direção à praia. Ou trocar algumas palavras com um morador na viagem de barco. É legal perceber como essas pessoas não tem a noção de como é maravilhosa as pequenas coisas de sua vida cotidiana.

Valeu muito a pena ter trocado a festa de formatura por essa viagem. Que teria sido impossível e infinitamente menos divertida sem a companhia e camaradagens dos nossos guias. Em Recife, Amaral e Catarina, casados graças à colmunidade. Em Salvador, Johanna e Tetê, as irmãs diferentes e queridas iguais. Agradecimentos calorosos a todos. E mais um beijo para a Nara, companhia de todos os lugares, que deixou divertido e doces os momentos que sozinhos teriam sido de tédio insuportável. Obrigado por ter trazido tanta felicidade em minha vida e nessa viagem.