Samjaquimsatva






Oblivion

Apesar de denso barbaridade, li rápido o Oblivion do David Foster Wallace. Um mês. Não foi uma revelação. Muitos dos temas tratados nos contos do livro já aparecem em outros trabalhos do autor. Está lá a apropriação da ideologia da contracultura pela publicidade, o sofrimento físico e psicológico além da imaginação, a solidão entre as pessoas e o esforço/incapacidade delas para comunicar/sentir/expressar algo de verdadeiro/sincero/real. Nada foi novidade, mas o livro vale muito a pena porque é uma evolução disso tudo. Digamos que ele seja mais indicado para os aficionados.

O melhor conto do livro chama-se “Gold Old Neon”. Nele o narrador conta a história da fraude completa que é sua vida. Ele começa assim, com o perdão da tradução livre: “Minha vida inteira eu tenho sido uma fraude. Não estou exagerando. Quase tudo que eu faço o tempo todo é tentar criar uma certa impressão de mim nas outras pessoas. Geralmente para ser querido ou admirado. É um pouco mais complicado que isso, talvez. Mas quando você vai direto ao ponto é para ser querido, amado.”

O sujeito se encontra preso em um paradoxo da fraude de sua existência, pois “quanto mais tempo e esforço você coloca em tentar parecer impressionante ou atrativo para outras pessoas, menos impressionante e atraente você se sente por dentro – você é uma fraude”. E o que segue são 40 páginas sobre a repulsa que suas atitudes lhe causam, incluindo suas visitas ao analista, o sexo desenfreado, a castidade, o uso de drogas, etc. Tudo lhe causa vazio e horror. Todas suas ações são uma fraude, pois ele não consegue agir de outra forma que não seja para ser querido, amado, aceito, aprovado.

Ao passar das 40 páginas com a descrição disso tudo, o narrador nos avisa: “Eu sei que essa parte é entediante e provavelmente está chateando você, mas, a propósito, fica um bocado mais interessante quando eu chegar na parte em que eu me mato e descubro o que acontece exatamente após uma pessoa morrer.” E temos mais 30 páginas de incríveis descrições e insights filosóficos sobre a idéia de tempo e realidade, além do pesadelo que é ser incapaz de ser original. A complexidade e clareza da escrita me fez pensar que realmente aquilo é algo muito próximo da natureza da realidade. È o melhor conto que já li dele. Pra se ter uma idéia, é como se fosse o conto “A Pessoa Deprimida” elevado à décima potência.

Há também o engraçadíssimo “The Suffering Channel”, que narra a tentativa de um jornalista veterano da revista Style de escrever um perfil de um artista plástico cuja matéria prima de suas obras é a suas próprias fezes. É engraçado toda a filosofia sobre a merda. Me diverti também com as 50 páginas do conto que dá título ao livro, onde um homem conta ao seu sogro os problemas de seu casamento, que se concentram na reclamação de sua esposa de que ele ronca. Ele diz para ela que ele nunca está dormindo quando ela reclama, e que ela está tendo sonhos repetidos em que ele ronca.

Os enredos de todos os contos são banais, mas os detalhes que o cercam são levados às últimas conseqüências, com descrições e divagações e palavras complexas que colocando a prova a energia do leitor mais persistente. Isso tudo, de certa forma, me lembrou Kafka. Tirando as neuroses internas de cada personagem, pouca coisa acontece nos contos. Nada progride, tudo do mundo aparente é praticamente sem atividade, muito pelo contrário do interior das pessoas.

O projeto literário de Foster Wallace, explicitado nesse livro, é algo que beira a loucura. Isso porque sua dedicação e genialidade condensada em seus textos super longos irá sempre se barrar na incapacidade de emular com perfeição toda a carga e interconexão de sentimentos, pensamentos, informações e experiências de vida que um ser humano é capaz de sentir no menor dos instantes. Essa idéia e o título do livro, que em português significa esquecimento, combinam de maneira bem agradável para mim. Mas beira a loucura porque, ainda assim, com sua habilidade incrível e muito além de seus pares, ele se esforça na tentativa de mostrar o universo que há dentro de cada pessoa, todas as conexões e vozes que existem dentro de cabeça de cada ser humano, a sinfonia desse infinito de contradições que jamais seremos capazes de transmitir para outra pessoa.