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Atropela-me, por favor

Fim de dia e eu saio de casa pra comprar uma televisão - coisa que acabei não fazendo por que tava muito frio pra bater perna por ai. Acabei tomando o rumo da casa da Aninha quando, mais um vez, me deparei com aqueles dois limpadores de vidros que ficam na esquina da Ipiranga com a Azenha. Os caras têm um cachorro dálmata enorme, encoleirado e bem cuidado que, desconfio, não deve ter vindo exatamente de um canil.
Ao contrário das vezes anteriores - quando fui recebido por um banal "tio me dá uma moeda" -, dessa vez um deles (alucinado) tava no meio da pista, segurando o cachorro e desafiando os carros. Praticamente um Highlander com uma placa na testa: 'Atropela-me, por favor'.


Avistei de longe, buzinei metros antes, o sinal fechou. Diminui a velocidade, buzinei de novo, nada. O cara não saiu da frente. Tirei um fino e tentei parar o mais avançado possível, pra evitar complicação. Quando parei o carro, propositalmente no meio da faixa de pedestres, ele chegou perto da porta do motorista e começou a me ameaçar. "Quer me atropelar, mané?" De cara fiz que não era comigo. Mas ele ali, no meu vidro, metendo a mão no carro, com o cachorro ao lado brincando de Niagra Falls, babando na lataria, palavrão atrás de palavrão. Eu até que tava conseguindo me manter alheio antes de ele soltar um "filho da puta" tão ameaçador que pediu resposta.
- Filho da puta é tu que ta aí no meio da rua, rapaz! Se liga, hein? Chamo a polícia e você perde o ponto!
Ele arregalou os olhos, e continuou me desaforando.


Odeio estourar com um cara desses, sobretudo por medo. Passo ali todos os dias, não posso dar bobeira. Mas ele me tirou do sério. O sinal abriu e eu gentilmente me despedi, mandando um glorioso dedo em riste. Respirei, tentei manter a calma, começei a cantar uma música que nem sei mais qual é. A raiva tava quase passando quando me lembrei que, poucos dias atrás, eu dei um Real pro mesmo cara. Memorizei a expressão "filho da puta" umas 50 vezes, como um mantra.


Se eu não fosse tão ateu, ia rezar pro dálmata comer a borracha de limpar vidros desse cara. Acreditar no sobrenatural ajudaria, às vezes.

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