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Se algumas coisas se confirmarem, corro o risco de ir ao Rio no início de outubro, encerrando o exílio prometido a mim mesmo de brincadeira, surpreendentemente quase cumprido. Não boto os pés lá desde janeiro de 2003. Agora devo participar do meu primeiro evento como mestre yoda das relações internacionais. Morei em Minas entre 1983 e 1985. Fui só duas vezes ao Rio no período. A cada vez voltava mais abatido para Minas, me sentindo prisioneiro da cidade de seiscentos habitantes cercada por todos os cantos de dezenas de quilômetros de mato onde meus pais acharam que não morreriam de tédio. Não morreram porque voltamos para o Rio. Estou em Porto Alegre desde 1997. Vim por causa da Luzia, de saco cheio de trabalhar nos jornais cariocas, disposto, em nome da sanidade, a trocar a vida de subeditor com um bom salário por um emprego para cobrir bocha, punhobol e outros esportes do mesmo quilate na Zero Hora, ganhando bem menos. Voltava sempre, três, quatro vezes por ano. Só com o passar dos anos comecei a me distanciar de verdade do Rio. Não é por causa da violência, embora vista à distância seja ainda mais assustadora. Em vinte e oito anos no Rio, voltando para casa de ônibus toda noite, fui assaltado uma vez. Em Porto Alegre, foram três em sete anos, fora um apartamento arrombado. O que incomoda mesmo é ver o Rio se desfazendo. De uns anos para cá, indo visitar amigos, comecei a perceber como a cidade se tornou suja e esquisita. Quando se afasta do centro, começa o espetáculo de bairros inteiros falidos, lojas fechadas, pichações, escuridão. Bairros como São Cristóvão, Méier, Penha, Olaria, que antes eram cheios de movimento, viraram apenas local de passagem para os ônibus. O comércio, fora em uns poucos locais, é quase nada, até escolas, inclusive a minha, fecharam. A decadência se instalou no ritmo em que as igrejas evangélicas ocuparam qualquer cinema, clube e até banco que encontravam disponível. Por causa da Petrobras, imensa pagadora de royalties e de impostos, a cidade do Rio passou a ostentar índices de riqueza e crescimento que não são reais. Na última visita, no mesmo dia em que o Cesar Maia se vangloriava de ter dois bilhões em caixa, fruto de aplicações no mercado financeiro, contei setenta e dois mendigos enquanto o ônibus foi do Castelo à Central do Brasil, um trecho de uns três quilômetros. Por que comecei a contá-los? Porque é impressionante a horda de mendigos no centro em um domingo à tarde. Lembrou A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro, o conto do Rubem Fonseca em que um sujeito vaga pelo centro tentando encontrar a cidade que não existe mais. O dinheiro da Petrobras engana o Rio. Não produz riqueza. Os subúrbios entraram em colapso, mas ninguém dá a mínima. A decisão final do meu pai de vender o bar, em Pilares, veio quando os clientes ficaram quase todos desempregados. Como os viciados do Junky, não pararam de beber pela falta de emprego. Beberam até mais, só não tinham dinheiro para pagar e acumulavam contas. De vez em quando aparece uma idéia mirabolante para gastar o dinheiro da Petrobras. Primeiro foi a estupidez de gastar um bilhão para instalar um museu Guggenheim no Rio. Agora se fala em um centro Georges Pompidou. A zona sul, cada vez mais distante do resto, é bonita, razoavelmente segura, boa de morar e cheia de gente famosa (outro estranho fenômeno). Mas não sinto mais falta. Cada vez mais, apesar de tudo, me apego a Porto Alegre, a cidade onde, fora o campus da Ufrgs, todas as coisas estão ao alcance das pernas. # alexandre rodrigues | 16 de setembro Comentários (2) | TrackBack (0) |
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