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(Idéias: Alexandre Rodrigues. Idéias e digitação: Luzia Lindenbaum)

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O beijo de 82

- Bom dia. Posso ajudar?

- Não está me reconhecendo?

- Me desculpe, mas...

- O Raul.

- Raul? O que morava na minha rua?

- Ele mesmo.

- Puxa, quanto tempo. Você sumiu.

- Pois é. Caí no mundo.

- E como vai a vida?

- Na mesma.

- E então, posso te ajudar?

- Eu vim por causa daquela noite em 82.

- Que noite? Em 82, você disse?

- É. A noite em que o Brasil estreou na Copa. Dois a um na União Soviética.

- A Copa? Não me lembro.

- Eu sim. Depois do jogo nós fomos até a casa do Pelinho. Lembra do Pelinho?

- Vagamente.

- Era irmão da Tânia, que era amiga de vocês, meninas.

- Da Tânia eu lembro.

- Pois foi na casa dela que aconteceu. Estávamos eu, você, ela e o Luizão. Você gostava dele, lembra?

- Lembro.

- Foi com ele o seu primeiro beijo. Bem na minha frente, na frente de todo mundo.

- Foi? Não me lembro assim.

- Mas foi. Todo mundo olhava e você chorou. Eu chorei por dentro.

- Você?

- É. Eu te amava. Tinha quinze anos, mas já amava. Nunca desconfiou?

- Estava na cara. Eu gostava um pouco de você, mas não acontecia nada. Você era muito tímido.

- Muito. Era um poço de vergonha. Mas aí teve aquela noite em 82. Depois do jogo, teve um carnaval na rua. Fomos todos comemorar. Apareceu um tarol e um bumbo e começou o desfile. O Sérgio, que morava naquela casa bonita, emprestou os instrumentos. Eu te encontrei logo no início, depois foi a vez do Luizão e da Tânia.

- E depois?

- Quando o bloco seguiu, ficamos só nós quatro. Era junho, mas a noite estava quente. Fomos para a casa da Tânia, que estava sozinha. Não sei o porquê, mas resolvemos brincar de teatro.

- Estou me lembrando um pouco disso agora.

- Brincamos. Você, que gostava do Luizão, beijou ele para fingir fazer um papel. A Tânia, que também era a fim dele, também topou.

- E você?

- Não lembra? Podia ter beijado as duas, mas não tive coragem.

- Você era mesmo muito tímido.

- É.

- Pois então?

- Eu vim hoje te dar aquele beijo.

-Beijo? Eu... Não posso. Sinto muito....estou casada, tenho família.

- Eu sei. Mas não é você de hoje que vou beijar. É você em 82. .

- Em 82?

- É.

- É importante assim?

- No momento, não há nada mais importante no mundo.

- Não sei.

- Será um beijo da juventude. A minha, a sua, o beijo que nunca tivemos.

- Você não conta para ninguém?

- Jamais.

- Um só. Pode beijar.............. Foi o que você esperava?

- Foi. O beijo perdido. Rá,rá, brincadeira.

- Satisfeito, então?

- Totalmente.

- Bem, eu tenho que voltar aos afazeres.

- Eu também tenho que ir.

- Você passa sempre aqui perto da empresa? De repente podemos almoçar uma hora dessas.

- Eu te ligo. Agora tenho um outro compromisso. Lembra da Sandra?

- Não.

- Fez o segundo grau comigo e com a Cláudia, tua prima.

- Não lembro. Eu conhecia pouco os amigos dela.

- Pois é. Vou me encontrar com a Sandra. Teve uma noite, em 85, em que deixei de beijar ela. Foi no baile do colégio, último semestre. Ela me pediu para levá-la em casa e eu amarelei. Agora é enfermeira em um asilo de velhos.

# alexandre rodrigues | 16 de novembro Comentários (6) | TrackBack (0)


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