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![]() Entrevista com um homem com um saco de papel na cabeça* – Este é um homem com um saco de papel na cabeça. Boa tarde. – Boa tarde. – Por que o senhor está com um saco na cabeça? – Porque não há maneira melhor de ver a realidade. – Como assim? Do meu ponto de vista, o senhor não está vendo nada. – Aí é que você se engana. Do meu ponto de vista, eu vejo tudo. – Mas o senhor está com um saco de papel enfiado na cabeça! – Por isso mesmo. O problema é que você não está com um saco de papel enfiado na cabeça, então acha que está vendo muita coisa. – E o senhor, afinal, o que vê? – Eu vejo todas as coisas. O esquema geral. Nessa ranhura do papel aqui, por exemplo, acabo de encontrar a explicação para a solidão e a melancolia. E nessa dobradura repousa a solução para o aquecimento da atmosfera. Alguém rabiscou a caneta no outro lado do papel e do lado de cá aparece uma equação. São assuntos variados, como você pode notar. Há muito mais em cada pedaço amassado. – É difícil de acreditar quando se sabe que é só papel. – Difiícil mesmo é acreditar que se trata só de papel. – E o senhor pretende ficar muito tempo assim? – Estou decidido a nunca mais tirar esse saco de papel da cabeça. – Vai viver assim? E quanto ao mundo em volta? Como o senhor fará para andar pela rua? – Não pretendo mais me aventurar à rua. Quanto ao mundo em volta, está tudo aqui no saco de papel. Não preciso de nenhum outro. – Isso soa um tanto esquisito. O senhor obviamente está inventando essas coisas. – Só porque interpreto o que vejo? Os nossos olhos fazem isso o tempo todo, enviando mensagens ao cérebro, que só então montam o que estamos vendo. O que nós chamamos de realidade não passa de interpretação. Sabia que as coisas podem ser diferente para cada um de nós? O senhor, por exemplo, pode ser azul. – Esse é o problema. O senhor não vê nada, pois tem um saco de papel enfiado na cabeça. – Eu soaria melhor se tirasse o saco? – Não pareceria louco, pelo menos. – Mas o que importa? O que eu falo ou o saco que está na minha cabeça? – Os dois. – Vê como isso não faz sentido? Vamos fazer uma coisa. Tome aqui o saco. Pronto. Tirei. Está satisfeito? Agora ponha-o você na cabeça. Aqui está. Está vendo? – É mesmo fantástico. Tudo isso para ver. Não podia imaginar. – Entende o que eu quero dizer? – Por certo que sim. Não há visão mais clara do que essa. Estou desconcertado. Quantas novidades. Como pode... – Que bom. Agora me dê o saco de volta. – Não. – Como? – Não vou devolver. Não vou tirar nunca mais esse saco da cabeça. – Isso é impossivel. – Por que? – Esse saco é de papel. Logo vai ficar velho e se desfazer. Vai rasgar. Vai se molhar e ficar cheio de buracos. O papel é frágil e esse é um saco ordinário. Em pouco tempo não vai servir para nada. O mundo exterior vai cegar seus olhos entrando pelas frestas e você não poderá mais perceber o que há nele. – Você não falou nada disso antes. – É verdade, mas não tinha sido preciso até agora. – E como fará então? – Vai ter que esperar para saber. Agora me dê o saco de papel de volta. Não resista. Isso. Obrigado. Estou bem melhor agora. – É esquisito olhar o mundo. É tão brilhante, mas ao mesmo tempo o brilho parece falso. Falta alguma coisa. – Falta um saco de papel na sua cabeça. O homem com um saco de papel na cabeça não me levou até a porta, apenas se sentou diante da janela. O céu estava nublado. A claridade vinda do exterior era pouca para livrar o ambiente da semi-penumbra. Apesar disso, as luzes estavam apagadas. Era um escritório comum. Tinha uma pequena estante com clássicos de bancas de revista. Ele, imóvel como se imaginasse a paisagem em frente, parecia muito digno e confortável. * A foto de Gregory Halvorsen Schreck dispensa palavras, mas também lembra Buying a bed. # alexandre rodrigues | 13 de fevereiro Comentários (7) | TrackBack (0) |
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