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Clube do Lula - Uma novela ![]() Durante o dia, Luiz Inácio é político. À noite, rola na cama e não consegue dormir. Além de tudo, às vezes e vai parar em lugares estranhos. Outro dia, por exemplo, acordou e estava no meio de um jantar com a bancada do PMDB. Os convivas não entenderam direito seu berro assustado ao ganhar um abraço apertado do Sarney. Outra vez despertou diante de ACM. O vetusto senador baiano agia de um modo estranho, o tratava como se fossem aliados, não os adversários de longa data que eram. Quando o problema se torna incontornável – foi dormir uma noite em São Bernardo e acordou enquanto era homenageado no banquete anual do FMI -, decide procurar um médico. Este diz que não há problema algum. Luiz Inácio pede um sonífero. Reclama: - Mas eu estou sofrendo! - Sofrendo? – diz o médico. – Quer ver gente sofrendo de verdade? Vá nesse endereço às terças à noite e veja o pessoal da esquerda que ficou órfão do comunismo. Luiz Inácio vai ao endereço. Descobre que o local é um aglomerado de grupos de suporte. Há um para as viúvas do Brizola. Outro para trotksistas e maoístas. Mas diante da atual situação política e da derrota eleitoral, há também grupos para tucanos confusos sobre se são ou não neoliberais e reacionários de butique. Um para dissidentes do PT. Entra nesse. É um grupo pequeno, mas seus integrantes dizem que está crescendo. Luiz Inácio se senta no fundo para ver como funciona, não quer chamar atenção. Um ex-dirigente se levanta e diz: - Meu nome é Plínio de Arruda Sampaio. - Oi Plínio! - dizem todos. - Eu estava no partido desde a fundação. Agora me sinto traído. - Meu nome é Babá. - Oi Babá! - Eu sempre acreditei quando o partido dizia que era socialista, mas acabei expulso por causa da reforma da Previdência e então... Deixa a frase pelo meio. As lágrimas embargam a voz. Vladimir Palmeira, que comanda o encontro, pede uma salva de palmas. ![]() Luiz Inácio também tem um trabalho. Viaja de um lado para o outro. Você acorda em Londres, durante uma visita ao Palácio de Buckingham. Acorda na Casa Branca. No Kremlim. No Quênia e no Líbano. Viaja de avião. Acorda em Johanesburgo. Nessas viagens você se acostuma com serviços em miniatura. Refeições individuais. Amigos temporários. Encontros com tempo pré-determinado. Dez minutos com Tony Blair em Londres, dez minutos com Chirac em Paris. Visita-relâmpago a Hugo Chávez. De um lado para o outro. Dormir, acordar. Pouco tempo. Se levantar, trocar de cidade. Se você dorme e acorda o tempo todo em outro lugar, podia acordar outro presidente? Quando está na cidade Luiz Inácio freqüenta os grupos. Não tem mais problemas de sono desde que começou a chorar. Se abraça a um militante do PC do B e deixa as lágrimas correrem até molhar a camisa. Oferece conforto ao marxista que funga e fala alguma coisa sobre a luta de classes. Por fora, parece tão triste quanto cada um deles, como se sua alma tivesse mesmo sido despedaçada pela queda do Muro de Berlim. Por dentro, sente-se calmo como um mestre zen. O tempo passa. Uma sucessão de eventos. Numa das viagens, sentado ao seu lado está um homem gordinho, com um jeito tão esquisito de falar quanto o seu e aparência de seminarista. - Palloci - o homem se apresenta, entregando um cartão. Naquela mesma noite, ao voltar à sede do PT, encontra-a destruída. Alguém explodiu o lugar. Não conseguiria dizer por que o fez, mas pega o cartão com o telefone de Palloci. Não sabe por que, mas liga para ele de um orelhão. - Você não vai acreditar no que aconteceu - diz. ![]() Palloci o hospeda. Luiz Inácio se torna seu melhor amigo. Os dois também dão início a um grupo só para homens. Dão-lhe o nome de Clube do Lula. Todas as noites se reúnem na cobertura do prédio para beber e fumar charuto. Duda Mendonça costuma aparecer com uma garrafa de Romanée Conti. Às vezes leva o grupo a uma rinha de galo. Soltam frases de efeito, tripudiam dos pobres e da esquerda com citações de Paulo Francis, elogiam a última coluna de Diogo Mainardi em meio de baforadas e goles de conhaque. Defendem a propriedade privada e o agronegócio. Palloci caminha no meio de todos, insuflando: - Temos que respeitar as leis de mercado! Mas há algo errado, Luiz Inácio desconfia. Palloci começou a montar um grupo. Está formando um exército. Tudo é parte do Projeto Ordem. Todos os dias um novo recruta chega à porta do prédio. Um grande fazendeiro. Um banqueiro. Um corretor da Merryl Lynch. Um diretor da Fiesp. Um jovem direitista. Ficam três dias no restaurante em frente, vestindo ternos de corte impécável e empunhando pastas de couro compradas em Paris ou Nova York. Há ainda a mulher. Marina. Se conheceram no grupo de suporte de ecologistas traumatizados pela liberação dos transgênicos. Ela também não devia estar ali. É outra fingidora. Luiz Inácio, ao vê-la pela primeira vez, teve vontade de pegá-la pelos braços e gritar "Marina, sua mentirosa. Sua mentira reflete a minha!" Vivem uma relação de amor e ódio. Descobre mais tarde que Marina está em perigo. Palloci pretende dar um fim nela, trocá-la por um madeireiro do Pará. ![]() Lula acorda uma manhã e Palloci desapareceu. No quarto dele, busca pistas e encontra as passagens aéreas. Uma para Davos. Outra para reunião do G-7. Clube dos Investidores de Paris. Estação de esqui em Aspen. Wall Street. Hong-Kong. Há algo errado. Sai atrás dele. Segue cada data, na esperança de chegar primeiro. Em um quarto de hotel, Palloci aparece de surpresa. Está diferente, enfiado em um terno Armani. A conversa só precisa de poucas palavras. Tudo está claro como água. Como não pensou nisso antes? Se tudo aquilo estava acontecendo, se todos diziam que ele era Palloci, só podia ser... - Você... e eu... somos a mesma pessoa - diz Luiz Inácio. - Exato - responde Palloci. ![]() Corta para a volta. Lula visita Marina, diz que tudo agora vai ser diferente. Só precisa dormir um pouco. Depois vai deter Palloci. Mas quando acorda os dois se encontram sozinhos no alto da sede da Federação das Indústrias de São Paulo. No momento há bombas plantadas nas sedes do PSOL, PC do B, PSB e PSTU. Em vários acampamentos do MST e nos escritórios do Greenpeace, da Justiça Trabalhista e do Procon. Luiz Inácio está ali para ver o espetáculo, a explosão das bombas, de um lugar privilegiado. É um refém. Mas então percebe que se Palloci não existe, a arma está em sua mão. Faz o que é necessário. Se sacrifica. Há uma comoção nacional. Homenagens por todos os cantos. A cobertura da imprensa rapidamente transforma Luiz Inácio em santo. Acima do bem e do mal, como mostram os depoimentos em geral, até dos inimigos. É enterrado com honras de herói nacional. Os jornais e revistas imprimem edições especiais cheias de fotos e textos lacrimosos para a população comprar e guardar. Se erguem rapidamente as primeiras estátuas. Em meio a um súbito sentimento nacional de orfandade, o vice, Alencar, assume e promete um governo de união nacional. Diante da crise, PFL e PSDB também apóiam o novo presidente. ![]() Mas as primeiras medidas desagradam ao PT, que não demora a romper com o novo governo e passa para a oposição. É seguido pelo PDT e os outros pequenos partidos, menos o PPS, que nunca sabe o que quer. Os novos líderes nacionais da oposição, José Dirceu e Roberto Requião, denunciam no Fórum Social Mundial, realizado simultaneamente em Recife e Belo Horizonte, a insensibilidade social do novo presidente, o baixo valor do salário mínimo, os hospitais públicos precários, a educação de baixa qualidade, a corrupção, a política econômica neoliberal, a falta de segurança nas cidades, a submissão ao capital estrangeiro e aos banqueiros de qualquer pátria, que ficam cada vez mais ricos com os juros extorsivos da dívida pública. - O que falta é vontade política - acusa Dirceu. A platéia explode em palmas. Sobem os créditos. ![]() |
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