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(Idéias: Alexandre Rodrigues. Idéias e digitação: Luzia Lindenbaum)

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Ponto, vírgula, vírgula

A breve discussão sobre quem é o verdadeiro maior poeta de todos foi subitamente calada quando o mundo literário soube que Diamantino Drummond, sob perversa e profunda inspiração, crescera mais três centímetros.

O assunto tomou ares oficiais, pois uma comissão de notáveis foi enviada da capital. Visitaram-no. Diamantino estava mesmo crescido. Seu nariz, imenso. As orelhas de abano. O pescoço fino e esticado. As mãos de gorila. O cabelo, cortado escovinha, não disfarçava a cabeça grande. Seus olhos eram maiores do que os de um elefante. Tinha narinas de camelo. Mal cabia dentro de casa, onde os notáveis se sentiram pigmeus. Mal podia segurar o lápis com o qual registrava seus poemas em um caderno com capa de oncinha. A comissão atestou, concedendo-lhe o devido certificado: a cada verso, estava realmente se tornando maior.

Foi justo o período em que, convidado a falar a respeito, Diamantino tornou público seu mais complexo e instigante poema. Numa manhã, cercado de microfones, disse:

– Ponto, vírgula, vírgula.

Tomado de surpresa, o mundo literário entrou em polvorosa. Encheu páginas de jornais com resenhas, destacando a complexa fascinação que daquelas palavras emanava. Ignácio, crítico há seis décadas, embrulhou seus pertences mais valiosos numa trouxa de pano, em cima da cama, no quarto, e abandonou a profissão. Outro viajou para mergulhar no Sena e nunca mais foi visto. Previu-se novo e avassalador surto de crescimento para o já amplo corpo do poeta. Especialistas desmentiam uns aos outros sobre o processo físico em curso. Não faltou, a propósito, quem não entendesse o poema. Um desafeto rebateu-o com outro, desafiador e debochado, "Vírgula, ponto, vírgula", que teve amena repercussão.

As multidões, sabedoras de que os poetas, quando crescem, tornam-se algo assim raro, um monumento vivo, um humano esquisito que ultrapassa os limites biológicos, uma verdade polêmica para qualquer tempo, um totem de eternidade, assomaram ao lugar para vê-lo. Chegaram todos impacientes, pedindo: "Diga, poeta, diga".

Diamantino, agora sem poder mais sair de casa sem ser obrigado a uma aparição, um discurso, um novo poema, um enunciado, uma entrevista, uma benção, uma palavra amiga, um carinho, um abraço, um recado para nossos ouvintes e anunciantes, quis recolher-se para todo o sempre. Tornar-se recluso. Trancou-se disposto a esperar e passar fome, se preciso, mas nunca mais sair. Porém todo o sempre durou menos de uma semana, pois na terça seguinte escorregou no banheiro durante o banho. Quebrou o pescoço e precisou de um caixão especial. O caixão tinha seis alças e estava recheado de livros. As multidões chorosas lotaram e depredaram o cemitério. As publicações escreveram elogios lacrimosos que fizeram o mundo inteiro sentir a dolorosa ausência do poeta. O prefeito fez longo e emocionado discurso à beira da sepultura. Os coveiros precisaram abrir um buraco maior do que o normal. Alguém sugeriu um anjo para o monumento. Outros preferiam a figura gigante de Diamantino. Após acirrada discussão, com acusações de parte a parte, puseram o anjo e o gigante para não desagradar ninguém. Uma empreiteira superfaturou a obra.

Fim.

# alexandre rodrigues | 9 de julho Comentários (0) | TrackBack (0)


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