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A França queima em 2005

Caché: oculto; secreto.

Georges apresenta um programa de crítica literária na televisão; sua mulher Anne trabalha em uma editora. Ambos bem sucedidos exemplares da burguesia francesa, preocupados que no almoço daquele dia faltou algum toque especial. Talvez o vinho não fosse a escolha mais apropriada, ou quem sabe a fita VHS que passa na sala ao lado revela que tudo aquilo está errado. São imagens de uma câmera estática, capturando a fachada de sua casa e o ir e vir da família, que começam a deixar o casal transtornado. Surge o caché, aquele que está oculto e em constante vigilância de suas vidas.

Dirigido pelo alemão Michael Haneke, que já realizou o belo A Professora de Piano, Caché (2005) apresenta ao espectador o retrato de uma raiva latente na sociedade francesa. Por um lado ricos descendentes, por outro imigrantes cada vez mais marginalizados. Uma estrutura em ebulição que começa a queimar carros nos subúrbios de Paris e levar às ruas uma juventude que reclama sua identidade.

Em um primeiro momento até é possível encontrar inspirações em Lost Highway, de David Lynch. O filme de 97 apresenta um argumento semelhante ao usar fitas da vida do protagonista como elemento perturbador na trama. Mas logo vemos que Caché não é tão francês quanto o primeiro, limitando as possibilidades de escape no roteiro e construíndo uma narrativa linear, circunscrita. Não alheio à sua vontade, coloca todo o foco nas questões sociais.

Ao contrário do que muitos esperam ao sair do cinema, a pergunta de "quem" faz as fitas é irrelevante, porém o porquê do seu aparecimento garante a história. Os pequenos retratos de vida em VHS são elementos narrativos assim como sonhos ou imagens documentais o seriam (como usado por Tarkovski, por exemplo). Reforçam a necessidade de encontrar uma identidade nos protagonistas, e de confrontar suas existências diante da morte.

Segundo suas próprias palavras no filme, Georges e sua família estão sendo aterrorizados. O uso do 'domínio do terror' para descrever a situação criada pelas suas próprias lembranças garante uma interessante análise do estado das coisas na França. Um passado que o leva a tratar com explosão o homem negro que passa na rua de bicicleta e a ter medo dos argelinos quando diante da calma do diálogo proposto.

Ao final, a morte para um é nua e pacífica enquanto o sangue jorra em um pequeno apartamento da periferia.