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dezembro 14, 2006

A bola é a notícia

O fenômeno não é nada novo. Recentemente, o verificamos na Copa do Mundo, mas agora o assunto é Internacional e, por isso, devoto mais atenção.

Comecei a refletir sobre a desgraça que se tornou a imprensa esportiva logo após a tal propaganda da RBS, em que o pai japonês manda Toshiro “ficar frio”, porque o tremor na cozinha de casa não era mais um terremoto, mas o pessoal do “Cororado” chegando no Japão. Uma peça publicitária que passa por bem-humorada, mas que logo em seguida vem encarreirada de uma série de patrocinadores da cobertura da RBS no Mundial do Japão.

Não vale mais que um parágrafo dizer que as empresas jornalísticas sempre vêem nos eventos esportivos uma grande chance de faturar, principalmente quando a bola que rola é a do futebol, um dos esportes mais massacrados por essa crescente mercantilização da vida. A cada novo patrocinador conquistado, porém, o veículo de comunicação entra num dilema: onde encontrar assunto para preencher espaço entre tantos anunciantes?

Piffero diz que ônibus azul tem a cor da Fifa

São 21h30 de quarta-feira. A Rádio Gaúcha mantém no ar, há mais de uma hora, um advogado colorado, dois supostos humoristas, uma repórter esportiva feminina, um roqueiro gaúcho e um apresentador boçal. Acabam de sortear vagas num café-da-manhã promovido pela RBS para colorados, após longa discussão sobre a melhor denominação a ser dada ao novo atacante do Inter, se Alexandre Pato ou Pato Alexandre. Atônito, ouço que, mais cedo, a rádio chegou a promover uma enquete sobre o tema. Direto de Tóquio, o repórter Sílvio Benfica anuncia o cardápio do seu café recém tomado: ovos e salsicha. Nesse tranco, a Rádio Gaúcha pretende falar de futebol durante toda a madrugada, até a hora do jogo entre Inter e Al-Ahly.

No Portal Terra, a manchete anunciava: “Abel escapa de saia justa”. Antes de começar a me preocupar com um possível abalo psicológica na delegação colorada, tomei o cuidado de clicar na notícia. Numa coletiva de imprensa, uma jornalista falou que Abel estava com cara de sono, logo após a viagem. Nenhuma saia justa, apenas mais uma grande bobagem transformada em lead.

Gremistas, como Humberto Gessinger, aguardam vingança

Em 1983, eu tinha dois anos de idade. Por isso, não tenho capacidade de falar do título gremista em Tóquio, a não ser que o maldigo há 23 anos. Neste tempo, aprendi com meu pai a rebater as flautas tricolores falando que o Hamburgo era um time desinteressado na partida. “Desembarcaram no aeroporto e foram direto pro estádio”, dizia o pai, e eu, criança, imaginava jogadores alemães, fardados, correndo no saguão do aeroporto carregando suas bagagens, atabalhoadamente.

Mas não posso negar que a vitória gremista sempre pareceu gloriosa. Imagino que, em 1983, mesmo com rádio e televisão, os torcedores no Rio Grande do Sul tinham uma vaga idéia do que acontecia no Japão. A própria idéia de uma final no outro lado do mundo já tornava a epopéia tricolor muito mais mística.

Demonstre que seu amor nem a distância diminui

Hoje, o outro lado do mundo está diante de mim, minuto-a-minuto, na tela do computador. O futebol é um grande negócio, para empresas, empresários, federações, clubes e, claro, para a imprensa.

Os jogadores, intencionalmente ou não, acabam jogando o mesmo jogo. Beneficiam-se e, ao mesmo tempo, se perdem nessa onda. Eles, pelo menos, podem marcar um gol de placa, dar um drible ou um carrinho de cinco metros, e se redimirem.

Para a nossa imprensa, com seus incontáveis comentaristas, colunistas, torcedores símbolo e entendidos do assunto, o que sobra?

Nada, não sobra nada.

Por isso, nesta noite que antecede a grande jornada dos 97 anos do Internacional, me sinto um pouco enfastiado de tudo, embora nervoso com a estréia e certo de que ela representará, assim como a conquista da Libertadores, o começo de uma nova era para nós, colorados. E peço, aos jogadores do Inter, que não leiam os jornais gaúchos até a hora do jogo.

Aos nossos cronistas esportivos, recomendo um retorno aos fundamentos do jornalismo: o vaso sanitário eletrônico no Japão não é notícia. A notícia é, e sempre será, a bola.

Texto enviado por Daniel Cassol

Publicado em dezembro 14, 2006 4:36 PM

Comentários

Putz, Cassol. Era isso.

Publicado por: Leo Ponso em dezembro 14, 2006 4:59 PM

genial, cassol.

e me dou conta que esse mesmo sensacionalismo* me deixou enfastiado já na final da líber, apesar de tudo.

Publicado por: dante em dezembro 14, 2006 5:10 PM

"o vaso sanitário eletrônico no Japão não é notícia."

Resumo perfeito.

Publicado por: Francisco em dezembro 14, 2006 5:12 PM

Muito bom, Cassol.

Publicado por: Douglas Ceconello em dezembro 14, 2006 5:53 PM

Reporter Feminina + Futebol = ?

Publicado por: fino em dezembro 14, 2006 7:12 PM

Repórter Feminina + Futebol = TPM

Publicado por: Douglas Ceconello em dezembro 14, 2006 8:49 PM

Como disse Gessinger ... "Anoiteceu em POA" ... e a narração da Libertadores e do Mundial ao fundo de sua música ...

Publicado por: Zé Carlos em dezembro 14, 2006 9:32 PM

Muito bom, nada, Douglas. Tu me prometeu duzentas pratas.

Publicado por: Cassol em dezembro 15, 2006 9:04 AM

"Repórter Feminina + Futebol = TPM"

Mas ein?

Publicado por: Lila em dezembro 15, 2006 2:22 PM

Não te preocupes, Lila. Na maioria dos casos:

Repórter masculino + futebol = ejaculação precoce.

herhsh

Publicado por: Douglas Ceconello em dezembro 15, 2006 2:33 PM

Grande.

concordo plenamente. Viva o reporter que sabe analisar o jogo e não como é o metro de toquio. Reporter esportivo que se presta se perde no aeroporto e nao fala a lingua local, até mesmo no nordeste. negócio é futebol e hotel de beira de estrada.

Publicado por: Menezes em dezembro 15, 2006 9:53 PM

Hoje em dia a bola só é notícia quando a Mauren Motta não pod eapresentar o patrola. meu outro comentário sumiuu, uma pena.

Publicado por: Menezes em dezembro 15, 2006 9:56 PM

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