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novembro 10, 2005

Pára Nóia
Uma cobertura esportiva Antropológica

- Aqui é a entrada de Imprensa?
Não fui compreendido imediatamente.
- IMPRENSA! - gritei
- "Quall Imprennsa"?

Gritei o nome do jornal, que tem sua sede e redação a duas quadras do estádio Florestal, nome lendário para quem acompanhou os gauchões da década de 90. Nunca poderia imaginar que era tão Eucaliptos, se resumindo a uma parede com tijolos pintados e algo que se assemelhava a uma arquibancada de cinco degraus cobrindo mais ou menos 70% da área do campo. Bem no meio o chapelão indefectível em estádios de Interior, bem como também a famosa "zona do agrião" demarcada na frente da meta com muita terra e pouca grama. Os times já estavam em campo alguns bons minutos do segundo tempo e o placar era de 2 x 1 para o Nóia em cima do Lajeadense.

O senhor esbranquiçado que cuidava a entrada me olhou de cima a baixo. Seus olhos azuis procuravam em mim alguma evidência de ser mesmo Imprennsa. Justifiquei que meu colega havia acabado de entrar, o que era verdade, e finalmente se deu por satisfeito ao ver minha pasta de couro debaixo do braço. Não tinha nenhuma identificação do jornal que comprovasse minha palavra.

Logo ao entrar em campo ouço o grito de gol da torcida: o time local empatara com um tiro certeiro da intermediária no canto direito do goleiro, indefensável. A partir daí o jogo pegou fogo. Procurei na arquibancada um lugar cômodo, ao lado de alguns jovens.

- SAI DAÍ, Ô PEREBA!

Desclassificavam o adversário com tais acusações, que desde os tempos de colégio não se ouvia. Os ânimos estavam acirrados pois o Lajeadense saíra na frente e o Nóia virou em dois minutos com dois lances seguidos, ainda no primeiro tempo. O empate deu nova esperança e animou os espectadores. As grades conferiam muito pouca segurança, pela altura e por alguns furos. Seria extremamente fácil agredir os boleiros com algum objeto lançado. De fato, copos plásticos (inofensivos) e pequenas pedras (nem tanto) chegavam ao campo. As pessoas exibiam expressões preocupadas. Todos vestindo trajes encardidos do tipo "qualquer coisa", faziam comentários monossilábicos e por vezes incompreensíveis. Sempre incentivando o futebol arte:

- DÁ NO MEIO DESTE PODRÊÊ!
- DOENÇA!
- TORTO!

Expressões na verdade muito educadas para uma partida de futebol. Muitos rostos loiros, alguns enrugados e outros jovens, todos com aquela cor vermelha-rosa característica de habitantes das colônias alemãs. Crianças brincavam de pegar, alheias ao espetáculo. Cansei do lugar em que estava e resolvi mudar de lado, na direção do chapelão e das tribunas. O caminho era de barro e grama mal aparada. Havia mesas de concreto de cima das quais muitos acompanhavam o jogo. Me aproximei do centro do campo pelo outro lado do Florestal. A banda de uma escola de samba local incentivava os apupos com batucada. Para meu espanto, eram todos negros. Todos. Na torcida também havia muitos afro-descendentes, que nunca esperaria encontrar no Vale do Taquari, conhecido reduto teuto. "Então era aqui que o Inter perdia", pensei.

Este sentimento fez com que abandonasse o sentimento de simpatia pelo clube de minha nova cidade para inaugurar um sentimento mesquinho de espiritismo suíno. O Novo Hamburgo dominava e a cegueira da arbitragem proporcionava um espetáculo único: jogadores pouco técnicos cometendo toque de mão explicitamente e terminando de esburacar o campo. Literalmente se encarniçavam pela vitória. O público limitado fazia com que cada xingamento se ouvisse. O único grito organizado de torcida era entoado pela bateria. Um tanto constragedor:

Lajeadense / Lajeadense (TUM TUM TUM TUM TUM)
Lajeadense / Lajeadense (TUM TUM TUM TUM TUM)

Ou um pouco pior:

Deeeeeeenseeeeeeee
Deeeeeeenseeeeeeee

Sim, como o tricolor carioca.

Um colega de jornal me reconheceu e perguntou pelo fotógrafo. Eu não sabia. Ele parecia sofrer com cada passe errado, ouvindo tudo pelo rádio. Outra repórter estava no Gramado. Estávamos todos em pé. Uma bolinha de papel me atingiu o ombro. Risadas e brincadeiras de trás. Lajeadense erra mais um lançamento. O técnico do Lajeadense se contrai, voltando o corpo para nós, como se fosse nossa a culpa:

- PUTA QUE PARIU!

Impressionante, mas foi o primeiro palavrão que ouvi. Novo erro do Lajeadense e o atacante penetra a área sozinho, tira o goleiro da jogada e completa para o gol vazio. Um coro de xingamentos, para a reação provocativa do atacante adversário, que corre pela lateral do campo rindo e apontando o dedo ironicamente. Dois furiosos simpatizantes do alvi-azul recolheram a jato um pouco de brita do chão e atiraram na grade. Duvido que tenham acertado.

Fiquei um pouco mais para a prática de antropologia em campo, mas o resultado estava selado e eu precisava jantar. Evitei a saída do jogo abandonando o estádio cerca de 10 minutos antes do final do jogo. Depois da ex-touca do Inter, ainda precisava ver Corinthians e Fluminense perder.

Hermano Freitas
Enviado Especial de Impedimento a Lajeado

Publicado em novembro 10, 2005 2:39 PM

Comentários

Muito acompanhei historias assim do seu Dante Andreis sobre o FUTEBOL.

Publicado por: carol andreis em novembro 10, 2005 5:13 PM

calma aí, carol: ainda não casamos.

:)

Publicado por: dante em novembro 11, 2005 1:03 PM

há!

Publicado por: Menezes em novembro 14, 2005 7:43 AM

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