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abril 2, 2007

25 anos depois, 21 anos depois

"Futebol e política não devem se misturar", dizia Maradona antes do confronto entre Argentina e Inglaterra pelas quartas-de-final da Copa de 1986, no México. Mas era impossível para britânicos e ingleses não vincular o jogo com a Guerra das Malvinas, ocorrida quatro anos antes.

O território localizado no extremo sul do Oceano Atlântico foi tomado diversas vezes ao longo da história, desde que Américo Vespúcio ali chegou, em 1502. Primeiro os espanhóis, depois franceses e ingleses. Os argentinos reivindicaram a ilha e tentaram colonizá-la, alegando o uso de seus direitos sobre as antigas possessões espanholas, mas foram expulsos pelos ingleses em 1833.

A questão da soberania havia ficado engasgada nos argentinos, mas não foi por nenhum senso patriótico que a junta militar tentou reaver as Malvinas. Em 1982, a popularidade dos militares estava em baixa. A população voltava-se contra a ditadura implantada em 1976 e todas as suas conseqüências infames. "Bem, para comover o povo e angariar apoio, uma patriotada qualquer", deve ter pensado Galtieri.

Os milicos esperavavam que a Inglaterra aceitasse numa boa. Além disso, acharam que teriam apoio dos Estados Unidos, pois os argentinos haviam contribuído para repressões diversas na América Central, usando e ensinando toda a sua habilidade em tortura contra quem quer que fosse. Muita burrice de Leopoldo Galtieri e sua turma.

Mas as forças argentinas chegaram nas Malvinas em 2 de abril. E a força-tarefa inglesa logo partiu para cruzar quase 15 mil quilômetros e tentar recuperar o tesouro esquecido e agora ameaçado. No momento em que Margareth Thatcher ordenou e os navios saíram, a coisa tomou uma proporção gigantesca. Porque não foi um entrevero qualquer, mas sim a maior batalha aeronaval desde a Segunda Guerra Mundial. Todas as tratativas diplomáticas fracassaram miseravelmente.

Os argentinos foram bravos, mas o exército inglês era extremamente eficiente, um dos mais bem-preparados do mundo. Em 14 de junho, os hermanos se renderam e a guerra acabou. 652 argentinos e 255 britânicos morreram. Quem acabou levando vantagem foi o próprio arquipélago, que passou a ganhar maior atenção da Inglaterra e hoje está em franco desenvolvimento, com um PIB de 75 milhões de libras (na época era de 16 milhões). Até hoje a Argentina reclama pela soberania das Malvinas.

O regime militar argentino, que já estava enfraquecido, ruiu de vez poucos dias depois. Além de responder pelos desaparecimentos e mortes de milhares de pessoas, os militares tiveram que arcar com as acusações de omissão na guerra. Os veteranos que foram lutar nas Malvinas foram tratados por anos como fantasmas. Até hoje eles encontram-se uma vez por semana para tomar um trago em um bar de Buenos Aires.

Esse breve e bastante superficial panorama serve para contextualizar um jogo de futebol. O que ninguém deve ter advinhado é que quatro anos depois, em 1986, o embate entre os dois países seria transportado para dentro das quatro linhas do estádio Azteca. Argentina e Inglaterra jogaram pelas quartas-de-final da Copa do México e os jornais de ambos os países exploraram ao máximo os combates ocorridos tempos antes.

Mesmo que a iniciativa púbere dos militares de ocupar o arquipélago tenha custado a vida de centenas de cidadãos, o povo argentino tinha seu orgulho ferido. Em 1986, o país já tinha se vingado do regime ditatorial - muitos militares já estavam presos - e podia voltar toda sua mágoa contra a Inglaterra. Se Margareth Thatcher tivesse antevisto o que aconteceria certamente haveria trocado o arquipélago por um certo camisa dez que andava jogando na Espanha.

Porque Maradona não queria confundir futebol com política, mas jogou como nunca. Para fazer todos esquecerem do seu deslize de caráter ao usar a mão divina, driblou reis, rainhas, navios, caças e zagueiros para anotar uma pintura. Fez dois dos mais fantásticos gols ocorridos em copas e mandou os ingleses embora mais cedo. E até hoje os europeus - e principalmente o goleiro Shilton - precisam agüentar a debochada corneta: "não fique brabo, Shilton. Você se lembra?", pergunta Maradona aos risos, gesticulando com a mão erguida sobre a cabeça.

El Pibe só jogou futebol, mas muitos argentinos aproveitaram para cicatrizar as feridas.

Saudações,
Douglas Ceconello.

Publicado em abril 2, 2007 8:13 PM

Comentários

Li que o número de veteranos que se suicidaram já superam as baixas da guerra. Isso na sequencia de um filme esperto que vi no Futura, feito no prata.

Publicado por: Menezes em abril 2, 2007 10:22 PM

Minhas fontes confiáveis das 'Madres de Mayo' garantem que a maioria dos mortos eram recrutas simples, com 18/19 anos.

Os covardes de farda não quiseram levar nem os profissionais do exército. Não teriam 'cojones' pra tentar convencê-los e seriam derrubados pelos 'baixas patentes', ao melhor estilo do Tenentismo dos anos 20.

'Juarez Távora + Getúlio Vargas = golpe de estado bem sucedido' é uma fórmula histórica e matadora, sempre funcionou ao redor do mundo. Taí ainda o Fidel que não me deixa mentir.

No mais, em todas as rutas do país, espalham-se placas azuis ao lado dos acostamentos:

"LAS MALVINAS
[mapa do arquipélago]
SON ARGENTINAS"

Afinal, quem se importa em saber o limite de velocidade em estradas que têm retas de até 700 km?

Publicado por: Vitor VEC em abril 3, 2007 1:25 AM

Sobre o jogo, lembro de não ter visto o primeiro gol ao vivo. A vó fez um cafezinho no intervalo depois do tardio almoço de domingo e eu tava na cozinha. Os berros que vinham da sala alertaram, GOOOLL!!! Só vi Shilton & cia. abismados reclamando do juiz e o replay da TV milhares de vezes.

Aquilo foi só um aviso superior para o que vinha a seguir. Simplesment o maior gol da história das copas. Não é frescura nem nada, mas sempre me cai pelo menos uma lágrima quando vejo este gol.

Não há palavras.

Publicado por: Vitor VEC em abril 3, 2007 1:38 AM

Já ia me esquecendo. Pra quem nunca viu:

O primeiro gol, na versão inglesa da história. Com batata na boca e tudo:
http://www.youtube.com/watch?v=Ltn13sMvJSs

O segundo gol, com a trilha sonora de 'Era uma vez na América', de Ennio Morricone (a música, não o filme, é claro):
http://www.youtube.com/watch?v=3z-qm-Sb_4s

E com aquela que é considerada a maior narração, mais vibrante, o que seja, de um gol. Evidentemente que só poderia ser aplicada ao maior gol da história:

http://www.youtube.com/watch?v=BGaM8dBm4vE

São de Victor Hugo Morales, uruguayo (de Colonia, acho), à época trabalhando na Rádio Nacional (acho), AM 870 as palavras que acompanham as imagens no youtube.

Entrou pra história a expressão do 'Barrilete Cósmico', o Halley tinha acabado de passar pela Terra naquele verão.

Publicado por: Vitor VEC em abril 3, 2007 2:30 AM

Assiti no domingo um documentário na Discovery em que é dito que os veteranos do exército argentino estavam mobilizados na fronteira do Chile, com quem a Argentina quase entrou em guerra às vésperas do mundial de '78.
Aproveitando o contexto, o clima que o Grêmio enfrentou em La Plata em '83 foi consequência da permissão para que uma aeronave inglesa fizesse uma escala técnica na base de Canoas durante o confronto.
E gracias pelo terceiro link VEC, "es para llorar, indeed". Manda para a ouvidoria da Rádio Gaúcha etalvez eles demitam o Pedro Ernesto.

Publicado por: Anonymous em abril 3, 2007 9:34 AM

legal ver esses videos, Vitor.

duas coisas chamam atenção:
a primeira é q no primeiro gol a Inglaterra devia ter esquecido que "marcar" faz parte do futebol.

e a outra é a narração entusiasmada do uruguaio. não imagino um narrador brasileiro fazendo isso prum argentino. e pelo q eu escuto, os uruguaios têm rixa muito maior com os argentinos. isso não procede, ou o entusiasmo era só pelo deus maradona, ou foi pela atmosfera da guerra?
tou perguntando pq vc parece entender dessas questões latinas.

Publicado por: izabel em abril 3, 2007 1:51 PM

ah, e outra pro vitor.
espero não ser grossa em público, mas não gostaria de um comentário seu tipo "comerei ou não comerei" depois do meu comentário...

lendo dessas suas acabei me abstendo desse blog.
(bom, mas se o seu objetivo, na real, é afastar mulheres, vá em frente... não levarei pro pessoal)

Publicado por: izabel em abril 3, 2007 1:53 PM

o mais curioso é que hoje, ao meio-dia, rolou a imagem desse gol no globo esporte [e de mais alguns outros parecidos].

eu disse: "bá, vi esse gol hoje de manhã".

meu tio, que almoçava comigo: "ué, mas não era pra tu estar TRABALHANDO?"

só impedimento cura. zsfçlk

Publicado por: dante em abril 3, 2007 2:21 PM

Pelo que sei, os suicídios de veteranos chegaram a 400, número menor que o de baixas, mas altíssimo, sem dúvida.

Sei que na parte mais ao sul do Chile estava os ingleses, aguardando para afundar tudo se o negócio não se resolvesse.

A maioria dos recrutas não queria ir para a guerra, estava mais preocupados em achincalhar a ditadura moribunda. E as Madres de Mayo estendiam um pouco mais o grito de clamor nacional: "as malvinas são nossas e os desaparecidos também".

Sobre o locutor, Izabel, ralamente não sei. Vitor deve ter conhecimento da situação. Percebi que tu tinhas deixado de freqüentar os comentários.

E Vitor, não te palhaceia. Para um admirador da cultura argentina, não estás tratando bem as mulheres.

Publicado por: Douglas Ceconello em abril 3, 2007 2:39 PM

é, VEC.

pelo menos OFERECE UM TANGO pra moça.

:]

Publicado por: dante em abril 3, 2007 4:31 PM

Esclarecendo:
Nunca coloquei 'comerei', sim 'pegarei' (da clássica distinção entre 'pegarei' e 'não pegarei', estabelecida nos corredores da faculdade), notem a diferença.
Ademais, foi uma única vez. É a exceção, não a regra. Até porque sou muito reservado e costumo ser rigoroso nos critérios, exceto quando tem muito álcool na veia.

Publicado por: Vitor VEC em abril 4, 2007 10:46 AM

Não sei se posso responder sobre a rivalidade.
Apenas sei que há maior contato entre Buenos Aires e Montevideo do que entre elas e qualquer cidade daqui. Portanto, as pesoas cruzam o Rio de la Plata pra trabalhar do outro lado a toda hora.

As rádios sofrem uma interferência desgraçada de um lado e de outro do rio.
A Rádio Colonia (AM 550, tentem ouvi-la na madrugada), inclusive, é voltada para o público argentino. A maioria das propagandas, os jogos transmitidos, etc., são 'do outro lado'. Parecem que eles não se importam muito com isto, desde que a plata entre.

Fora isto, a questão das papeleras às margens do Rio Uruguay é a rusga do momento entre os dois países.

Também é possível que o simples fato de Victor Hugo Morales estar trabalhando em Buenos Aires há quase 40 anos tenha feito dele mais um torcedor do Maradona naquele dia.
O que eu queria era saber se foi ele quem narrou o jogo das oitavas entre os dois, Argentina 1-0 Uruguay, e como ele narrou. Isto mataria a dúvida.

Publicado por: Anonymous em abril 4, 2007 10:51 AM

"E Vitor, não te palhaceia. Para um admirador da cultura argentina, não estás tratando bem as mulheres."

Ao vivo é outra coisa, Douglas. Dá pra sentir o perfume, falar bem perto da orelha e provocar arrepio. E outras que, pelo jeito, é melhor nem comentar.

Publicado por: Anonymous em abril 4, 2007 10:54 AM

Nas últimas duas.

Publicado por: Vitor VEC em abril 4, 2007 10:55 AM

valeu pela resposta, Vitor.

Publicado por: izabel em abril 4, 2007 6:42 PM

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