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Sociólogo banca o físico e ilude cientistas

julho 8, 2006

Ao ler questões respondidas por cientista social e por físico "real", pesquisadores não conseguem distinguir um do outro

O sociólogo conseguiu confundir a cabeça de um time de nove físicos. Desses, sete acharam que ele também era do seu ramo e descartaram como impostor um físico de verdade, ao comparar as respostas dadas por ambos a uma série de questões cabeludas sobre ondas gravitacionais.

Folha de São Paulo

Sociólogo banca o físico e ilude cientistas

São Paulo, sábado, 08 de julho de 2006

Ao ler questões respondidas por cientista social e por físico "real", pesquisadores não conseguem distinguir um do outro

"Impostura" de pesquisador britânico sugere que leigos podem adquirir conceitos da ciência com profundidade similar à de especialistas

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Harry Collins jamais conseguiria resolver as equações da teoria da relatividade, e deixar nas mãos dele um detector de grávitons seria receita para o desastre. Mas o sociólogo conseguiu confundir a cabeça de um time de nove físicos. Desses, sete acharam que ele também era do seu ramo e descartaram como impostor um físico de verdade, ao comparar as respostas dadas por ambos a uma série de questões cabeludas sobre ondas gravitacionais.

Em retrospecto, a missão de Collins, pesquisador da Universidade de Cardiff (País de Gales, Reino Unido), não parece tão impossível assim. Afinal, ele é sociólogo da ciência e há 30 anos estuda a comunidade de físicos de ondas gravitacionais. Mas, com sua divertida impostura, Collins considera ter demonstrado que não é preciso saber matemática avançada ou ter prática de laboratório para entender a fundo os conceitos de um ramo da ciência -coisa que muitos cientistas de verdade ainda negam.

Essa possibilidade foi um dos pomos da discórdia das chamadas "guerras da ciência", um debate que opôs cientistas a pesquisadores da área das humanidades na década passada. Os cientistas, na época, diziam que as críticas à maneira como a ciência funcionava feitas por filósofos e sociólogos eram disparatadas, em parte porque os estudiosos de humanidades não sabiam realizar experimentos nem tinham conhecimento matemático -e, portanto, não tinham como entender de fato a ciência.

Interativo
A tese de Collins era simples: um estranho no ninho da física de ondas gravitacionais, mesmo que não soubesse fazer as contas complicadas que a disciplina exige, seria capaz de adquirir a chamada "especialização interativa" -ou seja, o domínio dos conceitos por trás daquele ramo de pesquisa e a capacidade de interagir com pesquisadores e até dar sugestões ou fazer comentários.

Collins e seus colegas, o também britânico Rob Evans e o brasileiro Rodrigo Ribeiro, testaram a idéia pedindo a um físico de ondas gravitacionais que criasse um questionário com sete perguntas (veja quadro à esq.). As perguntas seriam mandadas para Collins e para um físico de verdade. Depois, as respostas da dupla foram passadas para outros especialistas da área, que teriam de adivinhar quem era a fraude.

Não funcionou
: embora houvesse grande grau de incerteza nas respostas, a maioria dos físicos não conseguiu distinguir um do outro. "Os físicos não ficaram chateados com o resultado -pelo contrário, mostraram-se muito interessados", contou Collins à Folha.

"Qualquer ciência grande, no fundo, depende dessa especialização interativa", argumenta ele. "A física é dividida em muitas pequenas especialidades, então os físicos lidam o tempo todo com colegas que não têm conhecimento técnico detalhado de sua área, apenas uma compreensão conceitual."

O trabalho pode ter implicações, por exemplo, para a avaliação de artigos científicos para publicação
(a chamada revisão por pares), ou mesmo para a alocação de verbas. Afinal, pesquisadores de áreas diferentes podem ser tão competentes para julgar o mérito de um estudo ou projeto quando especialistas no ramo.

Alan Sokal, físico da Universidade de Nova York e um dos protagonistas das "guerras da ciência", não parece ter se convencido com o experimento de Collins. Sokal ficou famoso ao forjar um artigo "científico" e enganar os editores do periódico de humanidades "Social Text", que o publicaram -na verdade, o texto era uma paródia dos artigos estapafúrdios escritos por filósofos, usando conceitos da física quântica sem o menor nexo.

Ouvido pela revista científica "Nature", que revelou o caso de Collins, Sokal se disse impressionado, mas ressaltou que o conhecimento do sociólogo não é suficiente para entender a fundo como fatores externos influenciam a ciência. "Se esse é o seu objetivo, você precisa de um conhecimento da área que seja virtualmente, se não totalmente, do mesmo nível que o de um pesquisador", afirmou.

"A posição de Sokal é ridícula. É perfeita para produzir aqueles relatos auto-elogiosos que os generais vitoriosos adoram", rebate Collins. As guerras, pelo visto, continuam.

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saiba mais

Inteligência artificial deu base a pesquisa

DA REPORTAGEM LOCAL

A brincadeira séria de Collins e colegas se inspirou num dos mais famosos (e polêmicos) princípios da inteligência artificial, o chamado teste de Turing. Batizado em homenagem ao pai da moderna ciência da computação, o britânico Alan Turing (1912-1954), o teste estabelece um jeito de saber se, para todos os efeitos, uma máquina pode possuir inteligência.

A receita é simples: tranque numa salinha um computador e em outra, uma pessoa. Tranque a porta. Mande outra pessoa passar mensagens por escrito por baixo da porta e ir lendo as respostas. Se, com base na leitura das mensagens, o experimentador não for capaz de dizer quem é a máquina e quem é o outro humano, parabéns -você tem nas mãos uma máquina inteligente.

Collins e companhia foram além com o conceito. Demonstraram que pessoas incapazes de enxergar cores conseguem se fazer passar por normais nesse tipo de teste, por estarem imersas num meio em que todo mundo vê cores. (RJL) (Folha de São Paulo)

Walter Valdevino Demência Comentários (0) Comentários (0)