A DELÍCIA E A DESGRAÇA DE SER ALEMÃO
O filme do Hitler (lincar pra quê?) me deu aquele mesmo gostinho de assunto proibido de Paixão. E alguns sentimentos semelhantes de compaixão também. Assim como considero impossível não sentir alguma espécie de estranho deleite em ver o Cristo açoitado, porque foi por nós, duvido também da chance de não se condoer pela ruína do povo alemão, por mais que as bombas do exército vermelho sejam apenas o karma fazendo a reviravolta que se convenciona chamar de justiça e que acontece tão aleatoriamente. Porque também foi por nós, construiu o que convencionamos chamar de mundo atual.
Para mim e para todos os teuto-descendentes é ainda mais significativo. Envolve sentimentos inverbalizáveis e às vezes inconfessáveis. Para não falar do figurino: não imagino roupa mais bela que um sobretudo de domingo de um oficial das SS. A grandiosidade e a pompa embotam a visão de tal modo que por vezes é até possível que o horror se mascare de exercício de poder pleno, legítimo. E o mal existe apenas como forma de combater males maiores. Preguiça sendo o maior deles. Ai de quem tem preguiça, esbraveja o alemão.
Principalmente para alguém que ouviu as primeiras palavras nesta língua bárbara, como foi meu caso, qualquer filme alemão meia boca com qualquer alemoa vagamente parecida com minha mãe, minha tia e minhas avós me turva imediatamente a vista. Principalmente um que é sobre a destruição desta que é, por evidência, uma pátria tão vinculada à imagem inconsciente que tenho de MÃE.
Enfim, Eva Braun na histeria inconseqüente e Hitler na sua histeria delirante fazem perceber que há delícias em ser descendente destas pessoas que gostam de cerveja, batata e disciplina, mas há principalmente um grande peso. Um peso incutido desde muito mais cedo que se pode sentir. Um peso que se leva para sempre oculto nos cabelos dourados e notável apenas pelo lábio comprimido na contenção das emoções que foram ensinadas a se resignar ao cárcere dos olhos azuis.
11/05/2005 01:54 | Comentários (9) | TrackBack (0)