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Histórias Constrangedoras da Minha Vida IV


Episódio de hoje: o dia em que, aos sete anos de idade, conheci toda a maldade feminina.

Minha história de vida não é marcada por desilusões amorosas. Afinal, uma desilusão amorosa pede que a pessoa seja, de alguma maneira, rejeitada. E, para ser rejeitado, eu teria que dizer para a menina que passeava nos meus sonhos que eu gostava dela.

E isso, durante minha infância e adolescência, nunca aconteceu. Eu amava em silêncio. Não contava nem para meus melhores amigos por quem meu coração batia mais rápido.

Costumava, isso sim, observar muito minhas divas, conhecer detalhes de seu comportamento, gostos, personalidade (o que sempre permitiu, aliás, que os mais espertos me desmascarassem. Ou tentassem fazê-lo, porque eu negava e negava, sempre).

Da primeira delas, porém, não tenho muitas lembranças. Era loira, cabelos lisos até os ombros, franjinha. Não recordo se éramos amigos, se ela era legal, se era inteligente, se levava Nescau ou suco para o lanche. Nada.

Chamava-se Fernanda Fratton. O que, atentem, será importante nessa história ainda.

Uma vez, em um momento Werther, escrevi em um pedaço de papelão “eu amo Fernanda Fratton”, com canetinha vermelha. Minha mãe achou o papelão, mostrou ao meu pai, e juntos eles construíram um dos momentos mais constrangedores da minha vida, rindo da minha inocência amorosa enquanto eu inventava uma desculpa qualquer. Negando, claro:

- Não, não, isso aí foi o fulano que escreveu, não fui eu.

Tenho a imagem bem nítida ainda. Meu pai sentado à mesa, minha mãe em pé ao lado dele, e eu em frente a ambos, procurando um buraco bem fundo pra pular dentro e desaparecer por umas quinze horas.

Mas a verdade é que eu de fato gostava dela, desde o Jardim, eu acho. E já estávamos na primeira série quando tudo aconteceu.

Na época, eu desenhava muito. E o fazia muito bem. Ou, ao menos, melhor que meus colegas. Uma vez, no Jardim ainda, desenhei uma paisagem e pintei o céu de azul até a linha do horizonte. Fui sumariamente ridicularizado por todos (incluindo aí um menino que sempre desenhava buracos negros. Pegava a folha e fazia vários círculos com lápis preto, e estava pronto o desenho dele do dia de todos os dias. Suspeito que ele tinha problemas. Pobre rapaz, nesse mesmo ano se mudou pro Vale dos Sinos. Quanto sofrimento reservado para uma mesma pessoa, não?), que acharam muito engraçado eu pintar o céu no chão. Por sorte, no mesmo dia, uma menina fez um desenho com dois sóis, que tornou meu erro algo pequeno e passível de esquecimento.

Saulo desenhando costumava ser um acontecimento nas aulas, acreditem. Meus colegas se reuniam ao redor da minha classe para ver minha mais nova obra tomando forma entre os rabiscos. E eu aproveitava o momento. Parava, pensava, fingia concentração absoluta, desenhava alguns traços e ficava meditando sobre eles e, o pior, fazia cálculos (leia-se contas de mais e de menos) para simular que tudo estava sendo desenhado sob a égide da matemática. Fraude absoluta.

Boa parte das minhas noções gráficas vinha do meu pai, que tinha cursado alguns semestres de engenharia e me passava boas dicas, especialmente de perspectiva.

casas2.jpg
No desenho, uma amostra das minhas boas noções de desenho. Na primeira casa, o modo como as crianças costumam desenhar telhados. Na segunda, como eu fazia.

Então, se eu desenhava bem a ponto de despertar admiração dos meus colegas, que idéia tive para surpreender a menina que eu gostava? Sim, sim.

Era uma tarde de aula como outra qualquer. Não estou certo, mas acho que a atividade para todos era fazer um desenho, o que deve ter me motivado. Coloquei o coração na ponta do lápis e colori toda minha paixão com Faber-Castell.

Não lembro o que desenhei, mas certamente foi algo DE MENINA, com flores, borboletas e arco-íris.

Pronta a obra, escrevi “para Fernanda”, e sorrateiramente deitei o presente na classe dela, aproveitando um momento de ausência da menina. Voltei para meu lugar e fiquei esperando o que iria acontecer.

Ela volta, vê o desenho e diz:

- Tem um desenho que não é meu na minha mesa.

Junta-se um pequeno aglomerado de pessoas em volta da situação. Desesperado e sem poder assumir a autoria da peça (ninguém podia saber, nunca), tentei ajudar a moça:

- Mas diz “para Fernanda” aqui, ó.
- Não é meu não.

Completamente surpreso com o inesperado imprevisto, eu ainda lutava para solucionar o problema quando a bomba caiu sobre o Colégio Onofre Pires. Do nada, a outra Fernanda da turma se aproxima, atravessa seu braço pela roda de crianças confusas, pinça o desenho e diz:

- É meu.
- Ah – todos dizem em aliviado uníssono.

Estupefato e incrédulo, tentei esboçar alguma reação, mas não havia nada a fazer. O muro do anonimato era intransponível para mim, e sem me assumir como autor não fazia sentido tentar argumentar - o que eu ia dizer? Que na dedicatória estava implícito que era “para Fernanda Fratton”?

Sem ter o que fazer, voltei ao meu lugar. Na hora, não percebi, mas o mundo tinha acabado de me ensinar uma valiosa lição:

A menos que ela se chame Gerúndia, coloque nome e sobrenome na dedicatória.


Para ler sobre o dia em que levei um soco na cara de um mendigo clique aqui.

Para ler sobre o dia em que subi na calçada e atropelei uma menina a 12Km/h clique aqui.

Para ler sobre o dia em que assisti Jamaica Abaixo de Zero no cinema pensando se tratar de O Rei Leão clique aqui.