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Cortázar > Nostradamus


Um frigobar, uma televisão, um recipiente térmico cheio de embalagens de refrigerante, água, cerveja e energético, sanduíches, outra televisão (esta funcionando) e um DVD portátil. Já seria uma ótima lista se estivéssemos falando de um piquenique ou acampamento. Sendo uma viagem de carro, então, nem se fala. Evidentemente, não se trata de um carro convencional – muito menos de uma família convencional. Estou falando de uma viagem para Floripa capitaneada pelo meu sogro e seu furgão Ducato.
Considerando-se os padrões dele, até que não parecia tanta coisa – além desses itens, havia apenas um reboque com uma lancha. Até estranhei ele estar tão contido. Mas foi chegar na praia e descobri o truque secreto: a lancha, que estava coberta com uma lona, foi utilizada como bagageiro. Dentro dela viajaram uma bicicleta, uma grelha feita com roda de arado, um botijão de gás, varas de pesca e mantimentos.
Entretanto, a grande surpresa da viagem não estava nem na saída, nem na chegada. Estava na linha que liga as duas. Nas mais de 14 horas que levamos para percorrer PoA-Floripa.

A epopéia começou a se desenhar ainda na manhã de sexta-feira, algumas horas antes do horário previsto para nosso comboio partir de Porto Alegre – duas da tarde. A forte chuva que havia atingido Santa Catarina nos últimos dias tinha derrubado barreiras e interditado estradas em diversos pontos do estado, incluindo a BR-101. O ponto crítico estava localizado na parte da estrada que corta o município de Palhoça, já na região metropolitana de Florianópolis.

Mesmo cientes do que nos esperava lá na frente, partimos sem alterar em nada nosso programa inicial, fazendo questão apenas de não ter nenhuma pressa no percurso, na esperança de que a recém liberada meia-pista da 101 aliviasse o congestionamento até a hora da nossa chegada no embolamento. “Se formos amanhã”, conjecturou meu sogro, “a estrada também não vai estar em perfeitas condições”. Partimos.

A pouca urgência de chegar, algo raro em uma viagem, possibilitou mais paradas no caminho. Para comprar banana, rapadura e caldo de cana, para ver a coleção verão-1996 nos shoppings de fábrica, par comer um pastel e, claro, para fazer xixi (inúmeras vezes). Tudo era pretexto para atrasar o inevitável engarrafamento. Agíamos como quem acredita que atrasar o problema pode fazer com que ele desapareça.

Ao cair da noite, porém, ele nos encontrou. Maior, mais feio e mais cruel do que tínhamos sido capazes de conceber – e olha que foram umas cinco horas pensando e falando praticamente só sobre ele. Em plena BR-101, nos transformamos em personagens de um conto do Cortázar, presos em um engarrafamento que parecia sem fim, descendo do carro para conversar no encostamento e quase criando vínculos com os passageiros dos outros veículos. Eram 20, 30 minutos andando devagar, depois 30 completamente parados, em ciclos sucessivos de agonia e tédio. A explicação parecia estar na liberação de meia-pista lá em Palhoça, que permitia apenas o fluxo alternado de veículos em turnos de meia hora, estabelecidos e coordenados pela Polícia Rodoviária. Mas a sensação era de que o sentido contrário sempre tinha mais tempo para si, no que possivelmente não passava de um delírio com mania de perseguição de todos nós. Culpa do tédio – ou dos sanduíches, vai saber.

É fato que, apesar de tudo, não podíamos reclamar. Tínhamos uma televisão, que gerava uma imagem razoável sempre que estávamos próximos de alguma cidade, um DVD portátil, lanches e bem mais espaço do que ocupantes de veículos convencionais. E o céu estrelado é muito mais bonito sem as luzes da cidade ofuscando.

Assistimos Sin City, dormimos um pouco, conversamos outro pouco, e quando nos demos conta, adivinhem, ainda faltava muito para chegar. Só lá pelas quatro horas da manhã cruzamos o ponto crítico da estrada, a partir de onde a viagem fluiu bem e rápido.

Mas se todo nosso tormento foi um sundae para o diabo, ainda faltava a cereja. Por uma seqüência de desencontros que eu estava com muito sono para acompanhar, ficamos sem a chave da casa que tinha sido alugada. Sim, estávamos em Floripa, finalmente. Mas presos na rua. Hábil homem das antigas (apesar de depilar as costas), meu sogro rapidamente quebrou o cadeado do portão, para que ao menos conseguíssemos colocar o furgão dentro do pátio. Sem ter o que fazer, e como a imobiliária só abria às oito horas, entramos no carro e dormimos. Esmagados. Cansados. E sonhando em como ia ser bom um descanso para tudo isso numa bela praia de Santa Catarina.