Era o que tava faltando

"Severino Cavalcanti é coerente e honesto consigo mesmo -uma qualidade que poucas pessoas podem colocar no currículo. Trabalha muito e nunca colocou interesses pessoais a serviço de causas que defendeu ou atacou em sua vida parlamentar. Tem coragem ilimitada.

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Católico praticante e convicto, tem a coragem de encarar de frente pontos de vista sobre determinados assuntos, o que para muitos pode parecer uma postura moralista.

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Tem uma outra virtude rara: o bom senso.

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O presidente eleito da Câmara dos Deputados, ademais, representa uma enorme parcela da população brasileira, que pensa como ele, respeita os mesmos valores e costumes que o deputado nunca ocultou defender."

Folha de São Paulo

São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

TENDÊNCIAS/DEBATES

Severino: obstinação vitoriosa

PAULO MALUF

Conheço Severino Cavalcanti há mais de 20 anos.
Nunca decepcionou ninguém com o seu comportamento na vida pública ou particular.
Severino Cavalcanti é coerente e honesto consigo mesmo -uma qualidade que poucas pessoas podem colocar no currículo. Trabalha muito e nunca colocou interesses pessoais a serviço de causas que defendeu ou atacou em sua vida parlamentar. Tem coragem ilimitada.

Católico praticante e convicto, tem a coragem de encarar de frente pontos de vista sobre determinados assuntos, o que para muitos pode parecer uma postura moralista. Não é. O aborto, por exemplo, ele condena. Sempre condenou da forma direta com a qual costuma se expressar sobre tudo o que lhe perguntam e sobre aquilo que pensa.
Defende o que pensa porque esse é o modo correto de proceder, como defende outras posturas igualmente ligadas àquilo que a sua consciência manda.
Tem uma outra virtude rara: o bom senso.
Não é dono da verdade, admite discutir o que pensa e sempre esteve disposto a ouvir quem não concorda com as teses que defende.
Nesse tipo de proceder, já deixou clara a postura democrática com a qual a pauta da Câmara será feita por ele e pelo colégio de líderes dos partidos. E que o presidente da Casa, em sua gestão, não será mais aquele que decide, sozinho, o que vai ou não ser votado no plenário.
Isso anula as acusações que lhe fazem de que os assuntos que abomina jamais seriam discutidos pelo Legislativo.
Existem duas pessoas nesse tipo de comportamento, diz ele. O presidente da Casa, árbitro imparcial acatando a vontade da maioria, e aquele que é deputado federal e deixará a presidência quando tiver que votar esses temas controvertidos.
Severino Cavalcanti é um dos deputados que mais conhecem o regimento interno da Câmara dos Deputados. Foi por várias vezes corregedor do Legislativo federal e recomendou, nesse cargo, que 11 deputados fossem cassados. Inclusive dois, de seu próprio partido, que teriam recebido dinheiro para votar a favor da emenda constitucional que chancelou a permissão legal da reeleição do presidente da República, de governadores e de prefeitos.
Esse conhecimento das entranhas do Legislativo vai lhe permitir também, e isso ele já deixou claro, mexer na caixa preta da Câmara.
Na gestão de Aécio Neves como presidente da Casa, colaborou com eficácia para que o Legislativo devolvesse aos cofres públicos R$ 90 milhões desnecessários para o bom funcionamento da Casa.
Há contra ele, dizem, a polêmica questão do aumento do salário dos deputados, medida principal de sua campanha para a presidência. Que ele defende de peito aberto, lembrando que não é aumento, mas sim isonomia -por preceito constitucional de 1988- entre Câmara de Deputados e ministros do STF.
Lembra também, a propósito, que não foi ele quem fez a Constituição de 1988, quando era deputado estadual. E que a verba necessária para o aumento será conseguida com cortes na verba da Câmara dos Deputados, localizada em escaninhos, que a sua experiência regimental ensina exatamente em que lugar está esse gasto perdulário.
Já fez questão de deixar claro que não pretende prejudicar a governabilidade do país, fazendo oposição ao Executivo. Deseja apenas que a Câmara seja respeitada como poder independente e que não se transforme mais e mais num apêndice do Executivo.
O presidente eleito da Câmara dos Deputados, ademais, representa uma enorme parcela da população brasileira, que pensa como ele, respeita os mesmos valores e costumes que o deputado nunca ocultou defender.
Sua defesa das micros e pequenas empresas, contra a medida provisória 232, vinda do Executivo, não é, absolutamente, um comportamento de ocasião.
Severino Cavalcanti sempre foi um defensor intransigente do pequeno empresário, pois conhece, como poucos, a importância desse setor para gerar empregos e progresso para o país.
Severino Cavalcanti chegou à presidência da Câmara dos Deputados porque acreditou em sua campanha, trabalhou muito como candidato, usou de sua experiência política e de sua perspicácia para vencer o pleito, desafiando a todos os que o aconselhavam a desistir. Desmentiu os que nele não acreditavam.
Não fossem as suas muitas outras qualidades, só essa vitória e o modo como a conseguiu já o credenciariam para o amplo e melhor exercício do cargo que conquistou.
Como merece.

Paulo Salim Maluf, 73, engenheiro, é presidente de honra do PP. Foi prefeito de São Paulo (1969-71 e 1993-96) e governador paulista (1979-82).

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