Só fica melhor - e não vai parar nunca

Defensor da contratação de parentes para o serviço público, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), atendeu pedido do PDT e indicou para presidir a comissão antinepotismo o deputado Manato (PDT-ES), cujo gabinete emprega a mulher de um ex-colega, José Carlos Elias (PTB-ES), que também já contratou a mulher de Manato em 2003.

Folha de São Paulo

São Paulo, sábado, 07 de maio de 2005

NOVA DIREÇÃO

Deputado Manato, do PDT, foi indicado por Severino Cavalcanti

"Nepotista" chefia grupo antinepotismo

RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Defensor da contratação de parentes para o serviço público, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), atendeu pedido do PDT e indicou para presidir a comissão antinepotismo o deputado Manato (PDT-ES), cujo gabinete emprega a mulher de um ex-colega, José Carlos Elias (PTB-ES), que também já contratou a mulher de Manato em 2003.
O nome do deputado pedetista terá que ser ratificado em votação quando for instalada a comissão que analisará os projetos que pretendem acabar com o nepotismo nos três Poderes.
A prática de nepotismo cruzado na Câmara foi revelada em março pela Folha e incluiu até líderes de partidos, como José Janane (PP-PR) e José Borba (PMDB-PR), que contrataram um a mulher do outro durante um período.
O nepotismo é o favorecimento de parentes na esfera pública. Já o nepotismo cruzado é um subproduto que tem o objetivo de escamotear a prática. Dois parlamentares fazem um acerto e um contrata o parente do outro. Dessa forma, uma checagem da lista de funcionários do gabinete não detectaria a contratação de parentes.
Manato diz ser contra todo tipo de nepotismo e nega cabalmente ter realizado a forma cruzada da prática. Ele reconhece ter errado ao ter influenciado a contratação da mulher pelo gabinete do colega, em 2003 -diz até ter assinado um termo de ajustamento de conduta-, mas afirma que o fato de a mulher desse mesmo deputado trabalhar desde janeiro em seu gabinete no Espírito Santo não é uma compensação. "Ela é meu elo político com o norte do Espírito Santo", afirma, acrescentando que vai deixar clara essa situação na primeira reunião da comissão, que ainda não foi instalada.
A mulher de Manato, Soraya de Souza Mannato, trabalhou de março a 1º de setembro de 2003 no gabinete do ex-deputado José Carlos Elias (PTB-ES). Seu cargo era o de secretária parlamentar 26, o de maior remuneração nos gabinetes. Hoje a função paga um salário de R$ 5.175,50, mas esse valor será reajustado em 15%.
Desde janeiro deste ano, a mulher de José Carlos Elias, Maria Elizabeth Dadalto Elias, trabalha para o gabinete de Manato. O cargo também é o de secretária parlamentar 26. Elias renunciou ao cargo de deputado para assumir a Prefeitura de Linhares (ES).

Sem concurso
Os 513 deputados federais têm direito à contratação, sem necessidade de concurso público, de 20 assessores cada um. Para isso, cada parlamentar conta com uma verba de gabinete que chegará a R$ 50,8 mil mensais quando for sancionado o reajuste de 15% do funcionalismo do Congresso, recentemente aprovado.
A volta da discussão sobre a legitimidade da contratação de parentes para cargos públicos ocorreu devido a reportagens da Folha que mostraram que Severino e vários deputados têm parentes empregados na Câmara. Desde 1997, 96 deputados tiveram cônjuges contratados sem concurso público pela Casa.
No mês passado, projetos que pretendem acabar com o nepotismo nos três Poderes foram aprovados por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O último passo antes da votação em plenário é a definição da comissão cuja presidência deve ir para Manato.

--

OUTRO LADO

Manato admite "equívoco" com a sua mulher

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Manato afirma ter cometido um erro quando influenciou na contratação da mulher, mas nega fazer nepotismo cruzado.

Folha - Como o sr. pretende conduzir os trabalhos?
Manato - Eu vou tentar fazer uma coisa com serenidade, ouvindo todos os segmentos envolvidos. Sou contra [o nepotismo], mas quero fazer uma coisa ética, sem sensacionalismo, sem perseguição.

Folha - O sr. então é contra o nepotismo?
Manato - Sou favorável que seja [proibido] até o segundo grau e que em uma parte seja até retroativo.

Folha - Mas a mulher do sr. chegou a ser contratada para o gabinete do ex-deputado Elias...
Manato - A minha esposa (...) trabalhou porque ela é médica, faz ultra-sonografia e atendia ao gabinete dele. Foi por influência minha? Foi. Aí eu conversei com a [deputada] Denise Frossard sobre a [ONG] Transparência Brasil, e ela me disse que, se pegar no dicionário, isso não é nepotismo, mas se olhar na ética, é influência. Eu falei: "Pô, Denise então eu tô cometendo uma coisa que sou contra". (...) Eu tenho a minha mea-culpa porque eu cometi um equívoco durante quatro meses. Não é porque George Bush fumou maconha quando tinha 18 anos que ele vai defender o tráfico de drogas.

Folha - E sobre a mulher do ex-deputado José Carlos Elias, não é cruzamento?
Manato - Ele ganhou para a Prefeitura de Linhares, eu tenho escritório lá, mantenho pessoas da minha confiança, não tem nada de cruzado.

Creative Commons License