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Dieta e religião

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A cozinheira Sarah Wiener decreta:

Eu sou totalmente contra qualquer tipo de dieta, a não ser que a pessoa esteja doente ou pese 200 quilos. Esse lance de "só carne" ou "só carboidratos" é uma grande bosta em minha opinião. É realmente um substituto da religião, já que se tecem filosofias inteiras a respeito. O problema está na cabeça, não nas tripas.

Para ela, se até o Dalai Lama come carne volta e meia, por cortesia ao anfitrião, o José da Silva também deveria fazer o mesmo.

O trecho faz parte de uma reportagem especial do semanário de cultura alemão Die Zeit a respeito de alimentação. Para contextualizar, é bom explicar que na Alemanha encontrar uma pessoa jovem que coma normalmente é quase impossível. Na falta de dificuldades econômicas e sociais, parece que os alemães decidiram se preocupar com os benefícios e malefícios da comida. Todo mundo tem "alergia" a alguma coisa, nega-se a comer algo porque ouviu dizer que faz mal, ou então aderiu a algum tipo de dieta, do veganismo à de Atkins. Abaixo, um resumo da reportagem, já que pouca gente fala alemão.

O texto começa apresentando a questão do que seria uma alimentação saudável. Aponta que nem mesmo os cientistas chegam a um acordo a respeito. A professora de nutrição na Escola Técnica de Münster, Ursel Wahrburg, diz que "exceto pelas formas de nutrição extremas como crugívoros puros ou a rica em gordura dieta Atkins, no final das contas é uma questão de crença o tipo de normas alimentares que alguém escolhe". A única certeza científica, apesar de todas as pesquisas existentes, é que obesidade é extremamente prejudicial. Por outro lado, o consumo de muitos legumes e frutas, produtos integrais e a variação constante dos alimentos é benéfica. Ou seja, nada que o senso comum já não dissesse.

De fato, embora 64% dos alemães pensem que a alimentação era mais saudável há cem anos, a verdade é que apesar de toda preocupação nós vivemos cada vez mais, a altura média aumenta a cada geração, a produção de comida jamais foi tão bem controlada e quase ninguém mais morre de envenenamento alimentar.

A reportagem segue apresentando diversos casos lamentáveis de pessoas que mudaram completamente o estilo de vida por causa de crenças em uma ou outra lenda relacionada à comida. Conforme Eva Bärlosius, socióloga especialista em nutrição da universidade de Duisburg-Essen, há grande insegurança devido à quantidade de saberes — filosóficos, científicos, éticos — que concorrem pela verdade a respeito da alimentação. O resultado é que muita gente simplesmente escolhe um lado e se mantém fiel a ele, eliminando assim a necessidade de se preocupar com as constantes novidades a respeito do assunto. A matéria leva a crer que isso seria um tipo de relação religiosa com a comida.

Especialista em psicologia da alimentação na universidade de Viena, Ingrid Kiefer é taxativa sobre o que se chama na Alemanha de Esstremisten [de Essen, "comer", e Extremisten, "extremistas"]: "Quando se diminui o leque de alimentos aceitáveis cada vez mais e ao fim se está sob a obrigação de comer de forma saudável a qualquer preço, trata-se de um distúrbio alimentar." Ou seja, não se sinta culpado por considerar os vegans uns malucos.

Basta dar uma peruada em algumas comunidades do Orkut para ver como os vegans estão com as faculdades mentais tão prejudicadas quanto um fanático pela dieta Atkins. Só para citar algumas imbecilidades, alguns insistem que o homem, apesar de não ter quatro estômagos e não ruminar, pode tirar todas proteínas necessárias de vegetais; ou que os frangos têm seus bicos grampeados nos aviários, para que não possam ciscar. Só não explicam como os bichos comem.

Nem observar os antigos hábitos humanos ajuda, lembra a reportagem. Depois de deixar a África e se espalhar pelo mundo, o homem nunca teve um único tipo de alimentação. Os esquimós comem quase somente carne de foca, nos Andes come-se basicamente cereais e nos trópicos muitas frutas. Qualquer argumento de que um ou outro tipo de dieta é mais "natural", portanto, é falacioso. A julgar pela história, o homem é definitivamente onívoro.

Marcelo Träsel | 22.09.2006, 11:05 | Comentários (8)