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As melhores refeições da minha vida - 2

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Outra ocasião que ficou marcada em minha memória gastronômica foi um jantar no restaurante Jun Sakamoto. Não apenas é insuperável em termos de sushi, como talvez tenha sido a comida mais bem feita que já provei em qualquer categoria. Claro que a companhia de uma pessoa querida ajudou bastante para tornar tudo ainda mais gostoso. Abaixo, reproduzo uma coluna publicada no finado Semana 3 sobre a experiência.

Como já devem ter percebido, a série "melhores refeições" não segue uma ordem decrescente de importância. Aliás, não segue ordem alguma. Leia o primeiro texto.

ARIGATÔ, SAKAMOTO

Não poderia deixar a meca gastronômica do país sem provar os sushis de Jun Sakamoto. Há um par de anos entrevistei o chef para uma matéria a respeito das relações entre arte e culinária. Pareceu realmente sério quanto a seu trabalho, algo raro quando até churrascarias rodízio servem sushi. Ia sair caro, é certo. Mas sou entusiasta da cozinha japonesa tanto quanto da francesa. A idéia de comer um nigiri de atum com foie-gras foi irresistível.

Foi absolutamente necessário fazer reservas, já que é bastante pequeno - outro bom sinal. O ambiente é relaxado e moderno. Provavelmente tem o dedo do arquiteto Sakamoto, que após a faculdade passou alguns anos em Nova York e, de volta ao Brasil, foi aprendiz e substituto após a morte do sushiman no Komazushi, anteriormente o melhor restaurante japonês da paulicéia.

Humilde, Sakamoto disse em 2003 à revista Aplauso, de Porto Alegre, que não se considerava ainda um sushiman completo: "Nenhum artista está pronto. Até o último dia da vida dele, até o último momento que ele pratica esta arte, está em evolução". Sofisticado, ele enxerga aberrações como o sushi com coco ou com chocolate com, para usar um eufemismo, certo ceticismo. "Não altero, eu acrescento. Para acrescentar, preciso saber muito bem o que pode ser acrescentado. Tem muita coisa que, se você usar, vai ficar errado", alerta Sakamoto.

E ele não decepciona. O couvert era um cozido de linguado envolto em massa, como um norimaki, sobre cogumelos shimeji refogados. Como entrada, harumaki [rolinho primavera] recheado com confit de pato e molho de vinho do porto. Neste ponto a competência do sushiman já estava provada. É preciso muito talento para ver pontos de intersecção entre a culinária francesa e a japonesa. Misturar duas culturas completamente diferentes é pura arte.

Após, ao sushi. Pedi quatro nigiri de atum com foie-gras, dois de lula com um sal francês especial - creio que fleur de sel - dois de enguia, mais um norimaki de ouriço, um de água-viva e outro com pequenos peixinhos, parecidos com brotos de feijão. Tudo impecável. A alga que envolve o arroz e o peixe é crocante. O arroz tem sabor marcante, mas suave. O nigiri de atum, que leva o foie-gras como substituto do "o-toro", a rara gordura do peixe, é como um koan: tem sabor aparentemente simples, mas há algo lá, algo que faz o sujeito parar seus pensamentos enquanto sente o peixe se desmanchar sobre a língua e pode levar a uma epifania. O dos peixinhos era o menos interessante.

Com isso, já teria de passar um mês inteiro sem tomar cerveja ou ir ao cinema, mas ainda assim decidi pedir outra leva de sushi. Quem precisa de luz em casa, afinal? Felizmente tive autocontrole suficiente para não provar o sashimi de magret de canard [filé de peito de pato]. Pedi norimakis com alguns outros peixes, como o olho de boi, e novamente um nigiri de lula e outro de enguia. Estes novos peixes não eram tão surpreendentes, mas o nigiri de salmão com limão siciliano é muito diferente dos nigiris de salmão servidos em restaurantes normais, garantiu minha acompanhante.

Teria pedido mais sushi, se a minha conta já não estivesse em R$ 110. O que, creiam, não é caro. Não se consegue ouriço e água viva utilizáveis, assim, em qualquer supermercado. Foie-gras é importado da França, e caríssimo mesmo lá. Acima do preço é o couvert, por cerca de R$ 18, e a água, por R$ 8. A dose de sakê não sai por menos de R$ 8. Os sushis mais caros, no entanto, são os nigiris de o-toro ou com foie-gras e saem por R$ 7, um preço justíssimo. Creio que Sakamoto tira seu lucro na bebida.

Cabe ainda um grande elogio aos garçons. Há quase uma pessoa para cada mesa e todos eles conhecem muito bem os pratos. Explicam com grande precisão qual é o sabor de cada um e respondem honestamente quando o cliente pergunta se eles próprios gostam. São perceptivos quanto à personalidade dos comensais. Meu garçom logo notou que eu estava lá para provar pratos desconhecidos e me ajudou a montar o menu. Ao mesmo tempo, não tentam empurrar nada. De maneira que o cliente pode degustar a comida com a atenção que Sakamoto merece.

JUN SAKAMOTO
Rua Lisboa, 55 - Pinheiros
11 3088-6019

Marcelo Träsel | 13.10.2006, 10:21 | Comentários (5)