Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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trabalho é uma merda

Em uma coluna recente em Carta Capital, o historiador Nicolau Sevcenko registrava uma modificação na maneira como encaramos o trabalho. Na Idade Média, trabalho era coisa de servos. Cavalheiros de verdade dedicavam-se à caça, à música, à guerra e às cortesãs. Escravizávamos para viver. Com a ascensão da burguesia, o trabalho tornou-se um meio de conseguir desfrutar um pouco do ócio antes reservado aos nobres. Passamos a trabalhar para viver.

Hoje, muita gente passou a viver para trabalhar. Num mundo com uma parcela cada vez maior da população alijada da economia de mercado, a competição acirrou-se. Ninguém mais sente-se seguro. Isto leva muitos a ficar 12 horas por dia na empresa, tentando mostrar aos chefes que é indispensável. Os gerentes então acabam percebendo que podem muito bem dispensar algumas cabeças e deixar aquele trabalhador mais pró-ativo fazendo o serviço delas. Com isso, ainda mostram ao CEO sua própria competência. O CEO observa, e vê que é bom. Mas não leva uma vida muito melhor. Só workaholics chegam ao topo da pirâmide corporativa.

Neste panorama, lazer é apenas uma forma de desafogar o organismo e controlar o estresse, para evitar uma licença devida a um infarto − um sério empecilho a qualquer carreira. O trabalho tornou-se um fim em si mesmo, não tendo mais nada a ver com as necessidades humanas, como mostra o Grupo Krisis. Em seu Manifesto Contra o Trabalho, dizem eles:

Quem hoje ainda se pergunta pelo conteúdo, sentido ou fim de seu trabalho torna-se louco − ou um fator de perturbação do funcionamento do fim em si da máquina social. [...] Para a invenção de sentido são responsáveis os departamentos de publicidade e exércitos inteiros de animadores e psicólogas de empresa, consultores de imagem e traficantes de drogas.

Apesar de serem meio comunistas em suas propostas [ora, vá ler o manifesto!], os integrantes do Krisis acertam no diagnóstico. De fato, há algo extremamente errado em um mundo no qual os funcionários precisam ser "motivados" para trabalhar. Quem ainda não conseguiu transformar o trabalho em seu objetivo de vida, apenas o desempenha para poder consumir as novidades geradas pela mesma engrenagem que ajudam a movimentar. São, portanto, tão escravos quanto os outros − mas ao menos sabem-se cativos e daí vem sua apatia.

Poder escolher entre 15 marcas de papel higiênico não é vantagem alguma, está claro. Na verdade, apenas aumenta a ansiedade de uma ida ao supermercado − pode parecer exagero falar em ansiedade, mas as pequenas decisões que temos de fazer a todo momento na atual sociedade vão acumulando ínfimos grãozinhos de estresse psicológico, até resultar em permanente estado de ansiedade. Daí para cair no niilismo, neuroses várias, ou mesmo na esquizofrenia, falta pouco.

Algumas pessoas, no entanto, estão se dando conta de que no fundo todo o espetáculo na mídia e nos shopping centers é uma enorme perda de tempo. Não vale a pena trabalhar em uma corporação apenas para poder desfrutar das duvidosas benesses da economia de mercado. Só resta um caminho: tornar-se voluntariamente um pária no setor de recursos humanos.

Cada vez mais gente em meu círculo decide largar seus empregos com carteira assinada, 13º salário, férias e participação nos lucros para trabalhar como repórteres free-lance, tradutores, escritores ou professores. A renda diminui, em geral, mas isto não importa. Pode parecer auto-ajuda, mas a maioria das coisas realmente boas na vida custa muito pouco. Nada contra foie-gras, BMWs e modelos-atrizes oxigenadas − é só que elas não valem comprometer nossa humanidade em uma carreira corporativa. Também, em um golpe de sorte, sempre se pode ter tudo isso com um livro, uma banda, um restaurante ou jogando futebol.

Eu mesmo passei por esta experiência há poucas semanas, quando deixei a corporação em busca de trabalho que, se também não tem tanto sentido assim, ao menos permite sair para passear em um dia de sol ou ir ao cinema quando se está sem saco. O cliente vira seu chefe, mas há menos a perder se você mandá-lo pastar. Decidi me sustentar fazendo as reportagens que quiser, para quem bem entender, bem como traduções. A longo prazo, tornar-me professor universitário, uma profissão que realmente tem alguma importância. Se desse mais dinheiro, francamente, acho que seria pedreiro. Ao menos o sujeito constrói algo de importância e utilidade inegáveis e trabalha ao ar livre.

5 de março de 2005, 3:05 | Comentários (16)



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