Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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o recado das urnas

A caseira da propriedade da família em Garopaba anulou o voto. É alfabetizada e consegue escrever alguns bilhetes, mas nunca lê jornais ou revistas. Não se interessa quase nada por política. Mas é esperta o suficiente para construir um certo patrimônio com o pouco que ganha. Pode-se considerá-la uma brasileira média, sem dúvida. Pois a caseira considerou o referendo uma "perda de tempo", por isso anulou.

Então, é isso: venceu o "não" com quase dois terços dos votos válidos. A abstenção de cerca de 20% é considerada normal. Por incrível que pareça, somente 3% foram brancos e nulos — possivelmente porque as pessoas nem sabiam da possibilidade de anular; até mesmo gente letrada como os leitores deste blog. Muitos dos votos "não" talvez fossem nulos, com um melhor esclarecimento deste ponto. Vá saber. Seja como for, "não" era o voto pela manutenção de tudo como está.

As duas informações acima poderiam sugerir que o povo entendeu muito bem o significado deste referendo. Em primeiro lugar, sua completa inutilidade. Isto já foi discutido em outros posts, então não merece muito mais digitação.

Em segundo lugar, a absoluta incompetência que cercou todo o processo. Desde a redação confusa do estatuto até a péssima defesa por parte da frente do "sim", que nunca explicou nada direito. Talvez porque, devido à incompetência do Congresso, ninguém possa explicar. Mesmo sendo prevista a possibilidade de compra de armas e munição por certas pessoas, com proibição e tudo, a forma como isso se daria só seria decidida após o referendo. Palhaçada. Como se pode decidir algo sem saber direito como vai funcionar?

É bonito pensar que tenha sido um protesto contra a irrelevância e a incompetência dos nossos governantes: "em vez de perderem tempo e dinheiro decidindo essas mesquinharias, concentrem-se em solucionar as causas reais da violência, sem tentar nos enrolar com medidas cosméticas".

O governo Lula comprou a briga pelo "sim". O próprio presidente escreveu um artigo defendendo a opção. Até que ponto se pode considerar o "não" um protesto contra o governo em si? E até que ponto se pode considerar um protesto contra as campanhas apelativas com artistas globais, contra a irracionalidade no debate político? O povo não é tão burro quanto se costuma pensar.

Provável é que no fim das contas seja apenas a troca de uma irracionalidade por outra. Em vez de ir atrás dos artistas da Globo, vai-se atrás do terrorismo oportunista da frente do "não". Se os votos nulos e brancos fossem mais altos, até se poderia pensar em um protesto contra a palhaçada em geral. Não é o caso, aparentemente. Pena. Os dois lados foram totalmente imbecis.

A imprensa, para variar, ficou devendo muito. Nenhuma reportagem explicou decentemente como funcionaria o estatuto, sobretudo os aspectos que seriam decididos após o referendo. Nada digno de nota sobre os integrantes de cada frente e seus financiadores, ou mostrando quem coordenava cada campanha. Nada sobre quem pagou a campanha do "sim", muito superior à do "não". Isso sem falar na Veja, que mais uma vez arrastou o jornalismo na lama, publicando uma matéria de capa apenas com argumentos contra a proibição.

23 de outubro de 2005, 23:31 | Comentários (25)



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mãos de cavalo,
por daniel galera

 

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