Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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house music junta 700 "chatôs" em hotel cinco estrelas

A Folha de São Paulo publicou uma excelente reportagem sobre uma festa de playboys no interior de São Paulo e o Gabriel Brust enviou por correio eletrônico. Além do ótimo texto do repórter Paulo Sampaio, faz um retrato da lamentável juventude bem-nascida brasileira. Leiam abaixo e vejam o que as boas escolas e o dinheiro fazem com as pessoas.

House music junta 700 "chatôs" em hotel cinco estrelas
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nem dez excursões com pestinhas à Disney soam tão devastadoras quanto o festival de house music que reuniu no último fim de semana 700 mauricinhos no Blue Tree Park Paradise Golf & Lake Resort de Mogi das Cruzes (a 58 km de São Paulo).

Na verdade, o termo "mauricinho" caiu em desuso. De acordo com a estudante de publicidade Juliana Bianco, 24, que dança sem música nem sapato por volta das 11h, depois de uma noite virada, há uma nova designação para seus pares: "Aqui nessa festa só tem "chateaubriand". Tudo "chatô". Um bando de riquinhos pagando de idiotas para as menininhas", diz Juliana, sem parar de rir, dando soquinhos no ar com o braço levantado e arrastando os pés no chão de pedra. Sua amiga Regina Mesquita, 24, única pessoa por perto, concorda. "Isso mesmo, tudo "chatô'!", diz ela, também descalça, descabelada e rouca. (Chatô é a forma debochadamente chique que elas inventaram para pronunciar a palavra chato; e Chateaubriand, um nome que nenhuma das duas sabe dizer de quem é: entrou na história para justificar a alucinada corruptela.)

Bem, mas os "chatôs" pagaram de R$ 840 a R$ 2.490 por um fim de semana prolongado de festas à tarde e à noite -um total de dez horas em cada um dos três dias-, com pensão completa e direito a pular, gritar e arremessar objetos do quarto uns nos outros (um funcionário do hotel informa que foi preciso retirar os extintores de incêndio do corredor para evitar desenlaces tenebrosos).

Ainda assim, o empresário Paulo Elias, 31, que se recupera da noitada à beira da piscina, com amigos, diz: "Acho que o evento tinha de ser caro mesmo, para dar uma selecionada no pessoal. Você vê: tá cheio de segurança aí, tem umas celebridades e o DJ é gringo; então, o preço alto volta em benefício da gente". As celebridades são os atores Ludmila Dyer, Thierry Figueira e Carol Castro; o DJs gringos vêm da Inglaterra, e os 40 seguranças funcionam como babás, resolvendo as traquinices dos hóspedes.

Pouco depois do almoço, um "chatô" dança em cima da cama e grita ao celular, com a porta do quarto aberta: "Meu, cê tá perdendo o baladão. Começou às 2h, acabou às 10h [grito eufórico], acordamos às quatro da tarde [risada-grito], viramos uma garrafa de vodca, tomamos uma "champa" [risada com tosse] e agora o cara vai trazer uns comes e bebes. Tô te falando, cê vai gostar. Custa R$ 1.000, meu, pensa bem, um conto! É barato!".

A programação inclui atividades como "House Resorts Open de Tênis", "Championship Soccer Paradise" e "Paradise Street Ball". "Nossa idéia era fazer um evento de música eletrônica com esportes, focado em atividades para o dia. Queríamos mudar essa imagem que se tem da balada, sempre associada à droga, bebida, loucura", diz o empresário Eduardo Barbeiro, 31, um dos organizadores da festança. O problema é que, ou bem o "chatô" vai à balada, ou bem pratica esportes — não sobra tempo para dormir. "Atividade diária aqui, véio? Ir pra cama. Tá um sol irado, mas eu vou dormir. Tô num resort, tudo na conta do meu pai, você acha?", diz o estudante Bruno Freitas, 23, que olha para o céu depois de tirar a camisa, com um copo de uísque aguado e sem gelo na mão -é meio-dia.

À tarde, uma aniversariante chama amigos em sua suíte para apagar as velinhas do bolo; debruçada na sacada, sua vizinha de quarto diz aos berros: "Festa de aniversário tem que ter dooooce e baaaaala; quero ver hein, amiga!" (Coincidência: no jargão dos aditivados, bala é a gíria para ecstasy; e doce, para ácido lisérgico).

Na hora do jantar, em que a comida "internacional", a música ao vivo e o ambiente do salão acarpetado remetem a um navio, duas patricinhas conversam: "Assim, tipo, meu, o cara veio, tipo, me pegando pelo braço, assim, tipo, eu disse, "meu! sai fora". Mó feio, cara de pobrão, tipo, sabe?". "Olha o Arnaldinho!", diz, de outra mesa, a estudante de publicidade Patrícia Cayres, 20, apontando para o filho do empresário Arnaldo Diniz. Muito falante, Patrícia diz que anda meio afastada das baladas porque se assustou com o que ouviu de seu médico ortomolecular. "Ele disse que minha idade biológica é 28."

O quarto do pânico
A ruidosa maratona de house music está recomeçando no dia seguinte, quando a reportagem resolve deitar-se para descansar; é obrigada a fazê-lo ouvindo o aterrorizante ruído de socos aplicados na parede e gritos guturais de "tô loooouco, véio!"; a poucos metros da janela do quarto, as caixas acústicas do evento emitem os primeiros acordes da festa: algo semelhante ao som amplificado do galope de um cavalo, misturado com uma espécie de grito interminável de Whitney Houston e o cacarejar de um galo.

"O Rico chegou!", berra alguém, a esmo. O Rico [Mansur] é, por assim dizer, o muso dos "chatôs". Veio sem Luana [Piovani], espécie de primeira-dama "chatá", que não foi "por causa do pequeno príncipe". Com a camiseta da cerveja que o patrocina, Rico é seguido por um séquito de "riquinhos"; usa jeans, um tênis Converse e óculos grandes espelhados. "Comprei em Nova York por US$ 10", diz, orgulhando-se do arroubo de originalidade, em um ambiente atolado de grifes: ali ao lado, um gorducho passa vestindo jeans que anunciam sobre os bolsos traseiros, em letras garrafais, a marca "D&G" (Dolce & Gabbana) -o logotipo faz sua sua avantajada poupança parecer ainda maior; na beira da piscina, uma garota espera o começo da balada da tarde com uma pochete Gucci pendurada na parte de trás do cinto; à noite, na pista de dança, a reportagem olha para o chão e conta, apenas ao seu redor, oito pares de tênis idênticos da grife Prada.

"Eles pagam uma fortuna para ficarem iguaizinhos", ri a estudante Izadora Bicalho, 15, 1,75 m, 53 kg, ela mesma uma assumida "label queen" (rainha das grifes). Para passar os três dias, Bicalho levou nove calças compridas, duas botas, uma pilha de camisetas e batas e uma caixa de jóias com mais de 50 peças; ela entra na festa com uma bolsa Balenciaga pendurada em um braço, e a mãe, Adriana, 35, no outro. "Não consigo andar sem ela", diz Izadora, olhando para a bolsa.

São quase 4h de domingo quando a reportagem avista, no meio da pista, um rapazote fumando charuto. Diego Tafariello tem 23 anos, é empresário e está com a namorada: "Claro que é uma festa de mauricinho. Tô errado?", pergunta Tafariello, sem saber que ele agora é um "chatô".

27 de abril de 2006, 16:04 | Comentários (41)



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