Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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apologia do amor

Há dois ou três anos escrevi um dossiê sobre o amor. Fez sucesso. Muita gente me pediu que o enviasse por e-mail, quando a revista eletrônica Fraude, onde fora publicado, saiu do ar. Pois então: há tempos este texto merece uma retratação.

Foi escrito em um momento de amargura, após uma rejeição. É uma pérola do ressentimento. Não sei nada sobre as pessoas que o encomendaram por e-mail, mas apostaria que todas estavam na mesma situação. Fato que, evidentemente, não o invalida completamente. Mais coisas interessantes já foram escritas sob efeito do ressentimento do que sob efeito da paixão.

O problema não é o diagnóstico. De fato, o amor é uma construção cultural, tão impermanente quanto qualquer outra. Um dia, desaparecerá − não o sentimento, mas o conceito. A idéia. O imaginário.

De fato, "as pessoas, quando falam em amor, em geral se referem ao problema de ser amado, não a amar". [citação não atribuída no texto anterior a Erich Fromm, aliás. Mas que picareta eu era!] De fato, há mais com que sonhar na vida, além de uma alma gêmea.

O problema é o ideal de racionalidade ou utilitarismo por trás do artigo. Seria muito agradável provar que apaixonar-se é uma idiotice, que, parafraseando o Barão de Itararé, "o amor é uma flor roxa que nasce no coração do trouxa". Mas não é. Ou, por outra, a paixão até é uma flor roxa, mas isso não tem a menor importância. É bonita.

Canalizar as energias amorosas para outros aspectos da vida pode ser muito interessante em determinados momentos, ou quando não se é alvo de uma paixão. Note-se que o termo "encontrar" uma paixão foi evitado. Ninguém encontra esse tipo de coisa, pois só quem procura acha. E nada pode ser mais temerário do que sair por aí procurando uma paixão.

A paixão com freqüência toma contornos patéticos, absurdos, até surrealistas. Um ser apaixonado gasta tempo e dinheiro com seu objeto de desejo. Arrisca outros aspectos da vida mais do que seria razoável. Alegra-se por qualquer migalha. É, a olhos racionais, um investimento que sempre dá prejuízo. A paixão é despesa improdutiva, na brilhante análise de Georges Bataille.

Pesquisas empíricas provam, entretanto, que juntar-se a outra pessoa por amizade, afinidade de caráter, conveniência, ou simples falta de coisa melhor para fazer, no máximo funciona. Mas funciona, assim, de uma maneira insípida. Há muita gente que consegue levar muito adiante um amor como este, casar-se, ter filhos, fazer uma vida. Isto é ótimo.

Mas, ora bolas, vejam vocês, comigo não adianta. Logo comigo, defensor de primeira hora de todo tipo de racionalismo. Muito interessantes as coisas que se pode descobrir observando o próprio comportamento. No fundo, dou tanta, mas tanta importância à paixão, que prefiro criar toda uma teoria a respeito de como ela é idiota a ter de encarar uma vida sem este sentimento.

Bem, crianças, esta foi a lição de hoje de Ah, se as pessoas soubessem como se fazem a ciência e as salsichas!. Até o próximo programa. Peço desculpas por quaisquer transtornos causados pelo artigo anterior.

2 de abril de 2005, 0:40 | Comentários (18)



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