Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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cotas raciais ou sociais?

Quando o sujeito se pega concordando com Ali Kamel, contra Elio Gaspari, algo está muito errado. Mas o diretor de redação do Globo tem toda razão em ser contra as cotas para negros nas universidades — ou para índios, judeus, maoris, seja lá o que for. Até reproduziria alguns trechos de sua coluna, se a versão digital do jornal permitisse copiar texto, ou ao menos gerasse páginas estáticas para as colunas. Pelo jeito, estão em guerra contra os blogueiros. Em todo caso, o argumento principal é que nem todos os excluídos brasileiros são negros. Por isso, as cotas deveriam ser dadas conforme a renda, não conforme a cor.

É verdade. Quem mora no Rio Grande do Sul sabe que no Vale do Taquari, por exemplo, há descendentes de alemães tão pobres quanto os negros. Dar benefícios a uns e não a outros é, no mínimo, imoral. Por outro lado, reforça as diferenças baseadas na cor da pele, quando o objetivo é ter o efeito contrário. Outro problema, no Brasil ao menos, é definir onde começa e onde termina a negritude. Se meu pai fosse negro e minha mãe branca, e eu fosse um pouco moreno, teria direito a cotas? O avô do ruivo Cardoso é negro. Ou seja, ele é 1/4 negro. Teria direito? Aliás, negros e brancos não têm DNA igualzinho, exceto por um gene ou dois em meio a trilhões? Então, tecnicamente, todo mundo é negro, ou ninguém é. Outra questão é a diferença entre os Estados. Uma pessoa considerada branca no Rio de Janeiro ou Salvador poderia virar mulata ao chegar em Porto Alegre.

As cotas sociais são baseadas no currículo escolar e, por isso, precisas. Não há espaço, salvo fraude, para discussão. Quem cursou escola pública ganha pontos e pronto. Inclusive, incluiria um mecanismo para levar em conta a renda familiar e impedir que filhinhos de papai entrassem em uma escola pública no último ano de ensino médio, bem como para diferenciar os remediados, que poderiam fazer cursinho, dos miseráveis. A Unicamp vem usando cotas sociais com muito sucesso. Em geral, os alunos são muito mais disciplinados e motivados que os outros. Claro que, ao propor cotas sociais, o governo admite que não cuida direito de suas escolas. Melhor faria destinando mais recursos a elas. Mas levaria tempo até consertar toda a lambança que se instaurou, então, ao menos por enquanto, dar um empurrãozinho aos mais pobres é a melhor opção.

Raramente aparece nestas discussões o argumento de que, em termos raciais, o vestibular é uma das seleções mais igualitárias existentes. O computador que analisa as folhas óticas com respostas não sabe se o candidato é branco ou negro, muito menos teria capacidade de discriminar uns ou outros. A lógica das cotas raciais é que, como são discriminados desde a infância, como seus pais tiveram menos chances por ser negros e por isso não puderam lhes dar maiores confortos e educação em escolas particulares, os candidatos negros teriam direito a preferência. Mas isso é cota social, não racial, mesmo que a causa mais anterior da pobreza seja a discriminação. Outro objetivo seria aumentar a representatividade dos negros na formação superior, já que são metade da população. No entanto, como em geral fazem parte também da metade mais pobre, acabariam recebendo preferência de qualquer maneira. E os brancos pobres do Vale do Taquari não teriam motivos para detestá-los.

A Raquel Recuero lançou há um tempo a pergunta sobre como fazer quanto ao ingresso em mestrado e doutorado. Seriam necessárias cotas? Não. Em tese, quem já passou por uma universidade e se graduou está no mesmo nível dos outros candidatos, seja qual for a cor. Inclusive, quem se formou em universidade pública tem vantagens, ao contrário do que ocorre no ensino básico. Este argumento fecha a questão por si mesmo, mas há mais.

Uma pós-graduação pressupõe um tipo de relação diferente entre a instituição e o aluno. O comprometimento das duas partes é muito maior. Um aluno da graduação pode abandonar o curso quando quiser e o problema é dele. Se um mestrando ou doutorando não defende sua tese, porém, a instituição é penalizada. O candidato precisa se adequar às linhas de pesquisa, aos projetos do orientador e, pode ser chato dizer isso, mas é preciso haver uma relação de simpatia entre um e outro. Não se passa dois ou quatro anos trabalhando com alguém com quem se antipatiza. Uma seleção para pós-graduação não pode ficar refém de um mecanismo que a obrigue a aceitar um aluno sob qualquer outro critério que não o de uma união de conhecimento, carisma e histórico que podem ser sintetizados na palavra competência.

29 de julho de 2006, 20:32 | Comentários (47)



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