Psicanalisando Lula

O filósofo e psicanalista Renato Mezan, em entrevista para as páginas amarelas da Veja desta semana, levantou um ponto interessante:

Lula gosta muito de se comparar a seus antecessores, dizendo que fez mais do que eles. Minha impressão é que isso tem dois componentes: um de classe e outro que eu vou chamar rapidamente de "edípico". A questão de classe é o "eu sou melhor que meu patrão, meu governo é melhor do que o dos patrões, nós somos melhores do que os patrões". O lado edípico é a luta com o pai, representado aqui pelos que vieram antes, e isso se reflete numa rivalidade com figuras prestigiosas, como Fernando Henrique, Getúlio, Juscelino, todos os que o precederam. Quem está constantemente se comparando com outro não se sente seguro daquilo que está fazendo. (...) Veja bem, não estou fazendo psicanálise selvagem do presidente, seria ridículo e tiraria a força do argumento. Estou dizendo apenas que, de maneira genérica, aquele que está constantemente em rivalidade com seu predecessor sugere fortemente uma problemática edípica, do tipo "eu ainda não acabei de matar o pai". Para um líder político, isso me parece negativo, além de ser irritante.”

Obviamente, psicanalistas, pastores, padres, hegelianos, cartomantes e budistas sempre estabelecem relação entre o que bem entendem. O que é interessante, entretanto, é notar que Lula parece profundamente motivado – mais do que uma simples estratégia política – em mostrar que seu governo foi melhor do que os anteriores, principalmente o de FHC.

Não sei se é questão de classe ou edipiana; parece que é, sobretudo, outra coisa que preocupa Lula: a consciência de que, daqui a alguns anos, seu governo corre o risco de ser lembrado como “um governo de continuação, no qual descobriu-se o maior esquema de corrupção da história do Brasil.”

Os petistas irão protestar, dizendo que na época de FHC também houve muita corrupção. Eu não sei, e provavelmente pouca gente sabe, porque simplesmente não se provou nada, diferentemente de agora. Contra o governo FHC pesavam acusações, contra o governo Lula e o PT, há provas materiais. O governo FHC será lembrado como aquele que estabilizou a economia com o plano Real, colocou o mínimo de ordem nas coisas (responsabilidade fiscal, por exemplo) e privatizou o que tinha que ser privatizado (uau, temos até blogs!). Os maiores erros de FHC geralmente são apontados como a insistência na manutenção artificial do câmbio - reconhecido pelo próprio FHC - e a miguelice (e falcatruas mesmo) nas privatizações.

Lula fez um bom governo, com “bom” significando duas coisas: 1) não jogar no lixo tudo que foi construído antes; 2) fazer um governo que é, em linhas gerais, igual ao que Serra teria feito se tivesse ganho de Lula. É isto que se espera da alternância de poder: que as coisas boas feitas anteriormente não sejam jogadas no lixo, que haja o mínimo de continuação. Já estamos bem grandinhos para acreditar em promessas milagrosas e para achar que se muda a demência moral do país inteiro em apenas alguns anos.

Estou abstraindo, aqui, ao fazer essa comparação entre governos, toda a questão da roubalheira petista. Lula fez o mínimo. Não conseguiu fazer mais do que isso porque o PT nunca teve nem idéia do que fazer quando chegasse ao poder. É lamentável ter que reconhecer, mas FHC e o PSDB tinham pelo menos uma vaga idéia do que tinham que fazer quando chegaram ao poder – de fato foi feito e Lula deu continuação a isso.

Lula continuou o que foi deixado por FHC, tanto na economia quanto no suposto “programa social”. Obviamente, os índices do governo Lula são todos melhores do que os de FHC; Lula não enfrentou crises internacionais e encontrou tudo pronto. Poderia ter feito mais: ao invés de lotear os ministérios com políticos da base aliada, poderia ter escolhido técnicos com projetos.

Lula perdeu a oportunidade de ter feito mais do que um governo de continuação. Voltando à questão ética, o mínimo que se poderia fazer é tirar Lula e o PT do poder. Se Ackmin ganhar, certamente dará continuidade ao que Lula fez e terá, então, a chance de mostrar se é capaz de fazer mais - com altas chances de fracassar miseravelmente. Se Lula se reeleger, corremos o risco de continuar o continuísmo. Não é o fim do mundo, ainda mais para nós, brasileiros, tão acostumados com a mediocridade geral.

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