Una Quilmes por tus idiotices

de Buenos Aires

Pelas ruas da capital da Argentina outdoors do governo fazem uma contagem regressiva para as eleições: faltam 10 dias para o pleito que elegerá presidente e vice-presidente, além de 24 senadores e 130 deputados. As placas, que são poucas - à exceção da famosa Avenida 9 de Julio, a propaganda visual é habitualmente discreta em toda a cidade -, também são praticamente as únicas alusões às eleições que estão por vir. Nos arredores da Plaza de Mayo, centro da cidade e onde está localizada a Casa Rosada, os únicos a estampar uma meia-dúzia de cartazes colados principalmente nas entradas do subte (o metrô local) são Néstor Pitrola e Gabriela Arroyo, candidatos pelo Partido Obreiro - “operários e socialistas como você”, diz o anúncio, de uma simplicidade espantosa se comparado à sofisticação publicitária a que chegaram as eleições brasileiras com seus dudasmendonças.

De Cristina Fernández de Kirchner, mulher do atual presidente e candidata favorita, não se vê nada pelas ruas. Nas bancas de jornais, a coisa é diferente. A visita de CFK, como a chamam os argentinos, ao Brasil estampou a capa dos principais diários, como Clarin, La Nacion e La Prensa. Todos eles destacam a preocupação dos empresários brasileiros em relação à taxa de inflação da Argentina e a calorosa recepção de Lula à candidata. Segundo os jornais locais, o encontro teve ares de apoio à candidatura, mas, segundo Marco Aurélio Garcia - sim, o petista é considerado fonte quente pelos enviados especiais argentinos -, não há nenhum apoio formalizado.

Se as eleições não estão na pauta do dia, outras manifestações típicas da política latino-americana marcaram o último final de semana em Buenos Aires. Contando com o suporte de algumas garrafas de Quilmes do tipo Staut - uma cerveja escura boa, coisa rara -, enfrentei o frio e o vento gelado que se abateram sobre a cidade caminhando pelos principais pontos de mobilização política. As mobilizações não são poucas em Buenos Aires. As causas, quase sempre antigas. (Continue lendo...)


Manifestação na Plaza de Mayo. Foto: Gabriel Brust

Impossível não lembrar da conversa que tive com o cubano Carlos Alberto Montaner, na semana passada (leia aqui e aqui). Perguntei ao autor de O Perfeito Idiota Latino-Americano se o perfeito idiota latino-americano havia mudado, desde que o livro foi lançado, há exatos 10 anos. Montaner disse que, embora o atraso das nossas esquerdas tenha agora se articulado de formas um pouco diferentes, a idiotice continua a mesma. A última semana em Buenos Aires comprovou as palavras do dissidente cubano.

Prestes a eleger Cristina Kirchner - que conta com 39,8% das intenções de voto, 28,1% a mais do que a segunda colocada, a candidata Elisa Carrió, da Coalición Cívica -, Buenos Aires, como uma boa capital latino-americana, ainda é uma Disneylândia para o anacronismo político. Greves de setores estatais são uma constante. No último dia 3, professores fecharam a Avenida de Mayo em um protesto que prometia parar a Capital. A coisa acabou tendo proporções menores, e desconfio de que presença de professores era quase nula. Em frente ao Café Goya, onde eu tentava ler a edição do Clarin que anunciava a paralisação, vi passar apenas alguns gatos pingados, na maioria estudantes e integrantes de partidos políticos. Mais parecia uma “mobilização” de professores da UFRGS, em que professores mesmo ninguém vê, mas militantes do PSOL e hippies do Campus do Vale não faltam.


Manifestação na Avenida de Mayo. Foto: Gabriel Brust

Outra greve latente no país é a dos servidores da Cultura. Pelo visto, tentaram copiar os colegas brasileiros, que paralisaram o Ministério da Cultura de Gilberto Gil praticamente o ano de 2007 inteiro. Não que tenha feito muita diferença. Tirando os terneiros da Lei Rouanet - e eles são muitos, é verdade - ninguém sentiu nenhuma falta. Em Buenos Aires, a paralisação pode ser constatada no Museu de Belas Artes, onde os cursos e oficinas estão parados. A visitação, no entanto, segue normalmente e é extremamente recomendada.


Paralisação no Museu de Belas Artes de Buenos Aires. Foto: Gabriel Brust.

O auge do final de semana foram as comemorações dos 40 anos da morte de Che Guevara. Milhares de militantes de esquerda, punks e hippies tomaram a Plaza de Mayo desde cedo no domingo. Às 9h, a Quilmes já rolava solta e muita gente embriagada era atendida sob as árvores. Entre as bandeiras mais freqüentes estava a do MST argentino. Optei por passar por ali rapidamente, já que os shows da festa começariam apenas à tarde, e rumei a La Boca. No tradicional bairro periférico, Guevara continua sendo uma das principais referências locais, ao lado de Maradona, obviamente. Entre os souvenires mais comuns nas lojas do Caminito estão camisetas em que Guevara e Maradona estão estampados lado a lado, quase abraçados. Em La Boca, ao som do tango executado por três velhinhos em uma das calçadas, a imagem dos dois ícones locais se contextualiza. Encontra lugar apropriado na ingenuidade do imaginário local - o bairro pobre que se diz uma república e cujas casas e carros lembram Havana.

De volta à Plaza de Mayo, o retrato é diferente. Com o cair da noite, as bandas começam a tocar em um pequeno palco montado em meio ao parque, e a celebração do guerrilheiro remete ao presente. O Café Harmony, a uma quadra da praça, foi um dos poucos das redondezas a tentar manter as portas abertas naquele domingo. A proprietária tentava evitar, com dificuldade, que o banheiro do estabelecimento fosse usado como vomitódromo pelos milhares de companheiros. Em vão.

Guevara e o socialismo seguem sendo referência primordial para milhares de pessoas por aqui. A democracia, bem, a julgar pelos gritos de ordem e pichações legadas ao município ao final da noite, não ocupa um lugar muito nobre nessa lista de referências. Menosprezo que fica explícito na completa apatia com que as eleições presidenciais estão sendo tratadas pela população de Buenos Aires nesta primavera de 2007.

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