por Marcelo Firpo

links
Czar
Nihil
Galera, o jovem
Galera, o velho
Martelo
M.O. Joe
Insanus
Bensi
Válvula
Medina
Não irei
Prop
Livros
Organá
R.I.P.

arquivos
novembro 2008
outubro 2008
setembro 2008
agosto 2008
julho 2008
junho 2008
maio 2008
abril 2008
março 2008
fevereiro 2008
janeiro 2008
dezembro 2007
novembro 2007
outubro 2007
setembro 2007
agosto 2007
julho 2007
junho 2007
maio 2007
abril 2007
março 2007
fevereiro 2007
janeiro 2007
dezembro 2006
novembro 2006
outubro 2006
setembro 2006
agosto 2006
julho 2006
junho 2006
maio 2006
abril 2006
março 2006
fevereiro 2006
janeiro 2006
dezembro 2005
novembro 2005
outubro 2005
setembro 2005
agosto 2005
julho 2005
junho 2005
maio 2005
abril 2005
março 2005

categorias





« Under the same file | principal | Al Qaeda planejou atentado contra Russell Crowe »

Grandes Temas da Humanidade: Buda e eu.

Falar de budismo é sempre meio complicado: ou tu corre o risco de fazer proselitismo barato ou de passar uma idéia cretina de que graças a ele todos os problemas da tua vida se resolveram de uma hora pra outra. Entretanto, não falar não é uma opção válida, pelo menos pra mim. Sempre gostei de dividir com os amigos um filme legal que vi, um livro, uma banda. Por que não uma filosofia de vida?
Meus primeiros contatos com o budismo foram circunstanciais: quando adolescente, tinha uma certa curiosidade pelo tema, e comprei uma edição da Martin Claret Editores, “Buda Por Ele Mesmo”, que era vendida em bancas de revistas. Devo ter até hoje, junto com os exemplares de Jung, Freud e Borges, se não me engano. O problema é que, apesar de contar direitinho as origens do Príncipe Sidarta, o livro trazia um amontoado de citações descontextualizadas do gordinho, e fiquei com a sensação, lembro bem, de que o budismo era uma barafunda de nobres verdades, caminhos óctuplos e outras formulinhas. Não me desceu bem.
Nos anos setenta e oitenta, o budismo zen era no Brasil o que o tibetano é hoje, a vertente mais conhecida e praticada. Lembro que sempre encontrava nos balaios da Feira do Livro uma lombada onde se lia “Zen ou a Arte de Manutenção de Motocicletas”, mas nunca me animava a comprar, até porque a parte “manutenção de motocicletas” me assustava um pouquinho.
Tinha também essa historinha do Demolidor, em que ele perdia seu radar e ficava confinado com o seu antigo mentor, o Stick, num ginásio abandonado. Para recuperar o radar, ele tinha como tarefa acertar uma flecha num alvo, com os olhos vendados, depois de confrontar seus demônios. Escrevendo isso agora a venda parece meio nonsense, porque o Demolidor era cegueta, mas a imagem ficou na minha memória justamente porque sabia que era emprestada da tradição zen: “o alvo está em toda parte”.
Foi só no Fórum Social Mundial, se não me engano o primeiro, que realmente tive um contato decisivo com a coisa toda. Estava flanando pelas banquinhas, lá na PUC, sem ter assistido nenhuma palestra e nem me estressando muito com isso, já que não tinha o calhamaço com a programação e a maioria delas, especialmente as políticas, me parecia simples pregação para convertidos.
Foi aí que cheguei numa banquinha e o cinza-prata de uma capa me chamou a atenção: “Mente Zen, Mente de Principiante”, de Shunryu Suzuki. Peguei, manuseei e resolvi comprar. A pessoa que estava me vendendo falou: olha, tá começando neste exato momento uma palestra na sala tal do prédio tal, com o mestre tal.
Epa. Tudo bem que a sincronicidade geralmente não me deslumbra muito, mas parecia interessante. Se eu tivesse que assistir a apenas uma palestra do Fórum, com certeza seria essa. Aliás, com certeza foi esta a única mesmo.
Cheguei a tempo, sentei num cantinho e fiquei observando Mestre Moryiama. Monja Zuiten e a atriz Odete Lara. A tradução simultânea dava um ritmo lento à palestra, mas também uma importância maior a cada palavra. O jeito deles falarem, a postura e, obviamente, o conteúdo foram me acalmando, me acalentando. Tinha uma enorme ansiedade de fazer perguntas, mas me segurei, e me dei conta que, por mais obtusa que fosse alguma questão, eles sempre conseguiam dar uma resposta interessante, sem nenhum enfado.
Pela primeira vez, entendi as Quatro Nobres Verdades, os preceitos e mais um monte de coisas. Acho que naquele dia ainda não tinha entendido o principal, mas já estava no caminho. Quando um carinha perguntou “Como o budismo vê a questão do sofrimento?” e a monja respondeu “Só existe budismo porque há sofrimento”, eu tive vontade de dar um mosh na mesa em que ela estava.
Saí de lá com muita vontade de freqüentar o zendô e terminei o livro do Suzuki em um par de dias. É, ainda hoje, o melhor texto sobre o assunto que já li.
Freqüentei algumas vezes o zendô do Viazen, que ficava na Germano Petersen, mas por questões de horário passei a freqüentar também o mantido pelo Petrúcio Chalegre numa pecinha despojada num estacionamento de um edifício comercial da zona sul.
Foi ali que me foi dita, textualmente, pela primeira vez a grande verdade do budismo.
Não pretendo enunciá-la aqui, porque não o faria com o talento necessário, e o zen abomina o esforço inútil.
O que posso dizer é que, ao entender aquela idéia, foi como se um aviso aparecesse dentro da minha cabeça: “A instalação do novo sistema operacional foi concluída com sucesso. Clique ok para reinicializar seu computador.”
Hoje posso ficar longos períodos sem praticar zazen ou mesmo ler qualquer coisa relacionada ao tema, e mesmo assim o programa segue rodando. Posso me deixar levar pela raiva ou pelo medo às vezes, mas no momento seguinte me dou conta da inutilidade disso. Também posso me deixar levar por essas e outras emoções e apegos, mas sabendo o tempo todo que estou me deixando levar. Esse é o pulo do gato do budismo, que o distingue de qualquer tipo de niilismo: mesmo sabendo que é um jogo, ele joga.
Tem uma sangha que se reúne duas vezes por semana aqui em Floripa, por feliz coincidência coordenada pelo mesmo monge Petrúcio, por feliz coincidência agora discípulo do mesmo Mestre Moryiama. Em breve, devo freqüentar este zendô, ouvir coans, praticar com mais ou menos desconforto o zazen e fazer parte daquela atmosfera única, cortês, delicada, seca, direta. Não vejo a hora, mas também não me importo muito, e todo o zen está nesta aparente contradição.
O budismo não resolveu todos os problemas da minha vida. Nunca vai resolver. Não seria legal da parte dele se resolvesse.
Ele só revelou a verdadeira natureza destes problemas.
Espero não ter sido proselitista. Espero não ter dado a impressão que levito a dois centímetros do chão. Espero não ter cometido alguma barbaridade conceitual. Escrever este texto era apenas o que eu tinha que fazer, e agora está feito.

Ah, sim, faltou uma coisinha: o ego é uma ilusão e acreditar nesta ilusão gera sofrimento.

07/03/2005 21:24 | Comentários (12) | TrackBack (0)