não mostrar.
Num filme meio lado B do Hitchcock (cujo nome não achei agora) tem essa cena que diz muito sobre as belezas e peripécias do "não mostrar" em uma narrativa. O assassino do filme é o focalizador, portanto o acompanhamos desde o início nos crimes e nos desdobres que ele dá na polícia, ou ao menos assim eu me lembro, porque já faz um tempinho. Bem, acontece que num determinado ponto sabemos que ele vai matar fulana: vai ir até o prédio, vai subir, abrir a porta, vai pegar a sua gravata e entrangular a mulher. E realmente o enxergamos indo e depois entrando no prédio. E aí vem a genialidade do Hitchcock. Ao invés de entrarmos no escritório com o assassino e assistirmos à morte da mulher, Hitchcock se limita a deixar a câmera parada na entrada do prédio durante toda a ação. Portanto fica aquela imagem quase fotográfica ali, a tensão do espectador já engasgando. Aí depois de um tempinho ouvimos o grito da vítima e depois vemos o sujeito ir embora. Mestre absoluto.
Mas lembrei de comentar isso porque estava lendo "A Ilustre Casa de Ramirez" (Eça de Queiroz) para a prova do mestrado e percebi que Eça usa o mesmo truque. Lá pela metade do livro, já antecipamos uma ação das mais importantes. O protagonista, Ramirez do título, vai engolir antigas mágoas e ódios que tem com o tal Cavalleiro porque quer uma vaguinha na câmara, e só esse velho inimigo pode nomeá-lo para tal. Bem, sabemos disso e sabemos que Ramirez decidiu conversar com o Cavalleiro. Sabemos que ele está indo para a câmara com esse intuito e sabemos o quanto vai tenso e envergonhado com o fato, além de estar tentando planejar incansavelmente a maneira menos humilhante de conseguir o que quer. Quando ele entra na câmara, como em Hitchcock, ficamos de fora, nervosos e ansiosos como os cidadãos que se juntam na praça de frente ao prédio para saciar também a sua curiosidade. É através das especualações dessas pessoas e da sua visão limitada que vamos seguindo a ação. Por exemplo quando Ramirez e Cavalleiro saem na sacada, se apertam as mãos e etc.

postado por Carol Bensimon as 19:47 | pitacos (2) | trackBack (0)

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