turistas.
Tempos atrás, escrevi um post chamado "hiperdocumentação". Lembro que o termo pegou por alguns meses no meu grupo de amigos. "Hiperdocumentação" referia-se à ânsia incontrolável de tudo documentar em imagens - coisa que tornou-se possível com as câmeras digitais. Creio que eu questionava que consequência isso traria nas nossas memórias e recordações (sim, eu sei que eu poderia procurar o post agora, mas há casos em que prefiro a dúvida às consultas).
Volto a falar disso porque cheguei de viagem ontem com uns temas de post anotados no caderninho. Um deles era "turistas", e me parece hoje impossível falar em turistas sem passar obrigatoriamente para a relação deles com suas máquinas digitais. A coisa há muito já ultrapassou o clichê "turistas japoneses". Todo mundo enlouquece com as suas câmeras. As câmeras digitais são os olhos do turista, e não há nenhum momento de contemplação sem o intermédio do aparelho: a cena passa direto para ser memória, nunca é presente. Ninguém OLHA a Notre-Dame, apenas tiram fotos. E o que fazer quando não se pode tirar, como na Capela Sistina? Burla-se. Mas porque ter uma foto tremida da Capela Sistina, se tenho a memória do que vi, e, caso eu queria ver a imagem, vou num guia de viagem ou na Internet e revejo? É uma obsessão. Me parece que devemos voltar a uma questão aqui, que é Qual a função de uma fotografia? Para o turista-médio,a fotografia, mais do que uma lembrança para si, é dizer aos outros "eu estive aqui". Sem o registro, é como se o momento não houvesse existido. E o que deve ser fotografado pelo turista-médio, já sabe-se antes mesmo que a viagem comece.
Cada cidade traz as suas obrigações, e é preciso muito culhão para desviar-se delas. Eu, por exemplo, fugi do Louvre e do Champs-Elysées no ano passado, mas dessa vez, sucumbi. A Monalisa é o maior exemplo dessa bóias que o turista-médio precisa alcançar. Eu sabia o quão decepcionante seria. Lembro da tela ser menor do que o imaginado e etc, enfim, lembro de ter quatorze anos e ter sofrido a grande decepção que todos sofrem, porque a realidade nunca poderia mesmo ser maior do que o mito. E de novo fui, mas eu tinha um plano, que era filmar e fotografar os turistas contemplando a Monalisa. Quero dizer, os turistas SEM OLHAR para a Monalisa, apenas tirando fotos compulsivamente, e assim em todos os hits do Louvre. Enquanto há uma sala vazia cheia de esculturas gregas, a Vênus de Milo está sendo devorada pela multidão fazendo pose ao lado da mulher sem braço. O que ela tem que as outras não tem? Impossível determinar, sendo uma amadora. Acontece por acaso e ponto. Mas aí volto à Monalisa, e sinto, além de uma tristeza profunda, um embaraço por toda a humanidade.


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Turistas diante da Monalisa. Exceto a menina deficiente física, quem está interessado em olhar sem a câmera?

postado por Carol Bensimon as 17:06 | pitacos (11) | trackBack (0)

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