Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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a longevidade é superestimada

Ultimamente as "reportagens" sobre novos métodos para evitar o envelhecimento e aumentar a expectativa de vida têm me incomodado mais do que de costume. Há alguns dias o pesquisador Richard Watson publicou uma linha do tempo da extinção de várias coisas. Segundo ele, após 2050 a humanidade se livrará da feiúra e da morte. Não que Watson deva ser levado muito a sério, porque pelo jeito é apenas um futurólogo. O fato de ele prometer o fim da morte, por outro lado, é sintoma de algo maior e mais profundo.

A longevidade se tornou um valor em si mesma. Todos querem viver 100, 120, 200 anos, como se isso fosse um objetivo inquestionável, o sentido da existência humana como um todo. Pior ainda, querem se manter jovens até idades avançadas. E dá-lhe verbas de pesquisa e desenvolvimento de novas drogas e métodos para evitar o envelhecimento, dá-lhe espaço na mídia para divulgar os achados nessa área, dá-lhe gente fazendo sacrifícios enormes para atingir a imortalidade.

Alguns métodos são um pouco mais doidos do que outros. O pessoal do transhumanismo, capitaneado por Ray Kurzweil e outros, sonha com o dia em que seres humanos descarregarão suas mentes em redes eletrônicas ou cérebros robóticos, deixando para trás esse corpo fedido e decadente. Um grupo um pouco mais sensato e realista advoga a restrição calórica como forma de acrescentar algumas décadas à vida humana. E há ainda as pessoas que se contentam em usar cosméticos caríssimos, fazer exercícios e seguir uma alimentação adequada do ponto de vista clínico.

O Fantástico de domingo mostrou uma reportagem sobre uma nova escala de risco cardíaco. A escala de Framingham é embasada em dados sólidos, coletados ao longo de décadas. Deve dar mesmo uma boa idéia do risco de se ter uma doença coronariana. O problema é que mostraram uma mulher que, depois de perder trocentos quilos e passar a adotar uma alimentação supersaudável, levou um puxão de orelhas do médico por fumar quatro cigarros por dia. Odeio cigarros, sei que fazem mal, mas poxa! A mulher já mudou completamente a vida e isso não satisfaz à medicina. Depois de tudo, nem um pequeno luxo ela pode se dar. Se largar os quatro cigarros diários vai ganhar o quê? Uns dois ou três anos a mais de vida? É por isso que ninguém agüenta seguir ordens médicas.

O mais estranho é que ninguém mais parece se admirar com essa negação do presente em nome da eterna juventude. Antes de pensar em viver além dos cem anos, as pessoas deveriam estar preocupadas em arranjar algo que preste para fazer hoje, amanhã, semana que vem. Parece que nunca param e refletem sobre o que seria viver mil anos batendo ponto na mesma empresa todo dia, comendo no mesmo restaurante todo dia, vendo os mesmos Matusaléns todo dia. Ninguém nunca pensa nas conseqüências funestas da longevidade.

Nada contra viver até os cem anos com toda saúde e disposição possíveis. O glamour de morrer jovem e ser um belo cadáver é tão condenável quando o encanto da imortalidade. Só não parece valer muito a pena passar a vida inteira comendo tofu e suando na academia para chegar lá. E isso se não morrer aos 64 anos, quando um cachorro pastor alemão saltar de uma cobertura em Capão da Canoa e atingi-lo na cabeça, quebrando seu pescoço (fato real, acreditem), tornando tudo uma tortura inútil.

23 de outubro de 2007, 14:14 | Comentários (16)



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