Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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os blogs já eram

Desde terça-feira da semana passada falta tempo para publicar um comentário a respeito da palestra na Semana Acadêmica da Ecos/UCPel. Antes de mais nada, gostaria de agradecer ao Eduardo, Davi, Juliana e Reizel, do Diretório Acadêmico, que me receberam muito bem e foram gentis e eficientes o tempo inteiro. Fiquei com uma ótima impressão da faculdade e seus alunos. A maior surpresa foi o comparecimento de mais de cem pessoas na platéia, sobretudo porque os estudantes ganharam uma semana de folga das aulas para participar do evento. Nos meus tempos de Fabico, provavelmente teria ido à praia.

Como sou adepto da escola Juremir Machado da Silva de apresentações, passei a semana anterior me perguntando qual seria a proposição mais chocante que poderia expor aos alunos de Jornalismo e Publicidade. Como o tema era "A força dos blogs como mídia alternativa", brinquei com a idéia de decretar o fim dos blogs.

O problema é que comecei a levar essa brincadeira a sério e acabei me convencendo dessa afirmação. Os blogs terminaram. Acabaram. Foram comer capim pela raiz. São um ex-formato de mídia alternativa na Web. E o motivo principal dessa desaparição é justamente o sucesso que o formato blog obteve, tornando-se onipresente.

Veja aqui os slides da palestra

Fazendo-se uma análise das definições mais difundidas para blog, a conclusão é que esse formato envolve:

  • conteúdo tipicamente produzido por um autor, ou um pequeno grupo de autores, em geral como hobby;
  • publicação freqüente, no mais das vezes diária a semanal;
  • o conteúdo assume a forma de posts, publicados em ordem cronológica reversa, sendo o mais recente no topo da página;
  • os posts trazem quase sempre atrelados a si espaços para comentários do leitor.

    Além disso, os blogs costumavam ser vistos como diários pessoais na Web e repositórios de links e impressões sobre a vida, o universo e tudo o mais, mas como essas definições são referentes ao conteúdo, e não ao formato, ficarão de lado. O que define um blog não é seu conteúdo, mas o modo como ele é produzido, apresentado e as opções de interação oferecidas.

    O problema é que os elementos listados acima como sendo típicos dos blogs se disseminaram por todo tipo de site. Por outro lado, sites que em geral seriam reconhecidos como blogs não apresentam mais esses elementos. Torna-se cada dia mais difícil diferenciar uma coisa da outra. Os blogs estão se integrando tão profundamente à estrutura mesma da Web que estão em vias de desaparecer do campo de visão.

    Abaixo, uma desconstrução das definições mais comuns de blog.

    AUTORIA INDIVIDUAL

    Tome-se como exemplo o blog do Noblat. Ele atende a todas as características definidoras de weblogs, como ordem cronológica reversa, espaço para comentários e publicação freqüente. Apesar de ter a foto e nome do jornalista Ricardo Noblat, é um site de autoria coletiva. Noblat conta com uma equipe profissional para ajudá-lo a cobrir os bastidores da política. Aí é que as dúvidas começam.

    Qual é a diferença entre o blog do Noblat e um jornal ou revista de pequeno porte? Já trabalhei em revistas produzidas por quatro ou cinco pessoas, em que as matérias eram assinadas por diversos repórteres contratados ou free-lance, capitaneados por um editor. É mais ou menos o que ocorre neste caso.

    Pode-se argumentar que o blog do Noblat é um blog coletivo como tantos outros que existem por aí, inclusive aqui no próprio Insanus.org. Mas há uma grande diferença neste caso, que é a profissionalização. Noblat e seus colaboradores precisam se ater às técnicas e valores do jornalismo, significando um texto impessoal e equilibrado, o mais livre de opinião possível. Basta comparar com a Nova Corja para perceber do que estou falando.

    Nos blogs coletivos, a autoria costuma se manter individual em cada post. Isto é, cada autor tem sua própria linguagem, seu estilo retórico. As exigências do texto jornalístico profissional matam qualquer retórica individualizada. Por conseguinte, não se pode falar em autoria no mesmo sentido da definição clássica de blog.

    PUBLICAÇÃO FREQÜENTE

    Foi-se o tempo que a maioria dos sites na Web mostrava nas páginas um monte de GIFs animados de "em construção". A Web deixou de ser estática há anos. Mesmo empresas de fundo de quintal já têm condições de criar páginas que possam ser atualizadas constantemente com listas de notícias. Os webjornais, por outro lado, tiveram antes mesmo de surgirem os blogs seções de "últimas notícias" ou "plantão", em que as informações mais recentes são publicadas à medida que aparecem.

    Assim, não se pode usar como parâmetro definidor de blog o fato de a publicação de novos posts ter freqüência diária a semanal. O que se pode atribuir aos blogs, com toda certeza, é a disseminação das páginas dinâmicas para toda a Web. Ferramentas como o Blogger abriram caminho para o WordPress e o Joomla!, que permitem criar estruturas hipertextuais complexas sem a necessidade de um conhecimento profundo em HTML e outras linguagens. Mais do que isso, educaram o público para esperar de qualquer site uma atualização constante. Não se admite mais uma Web que não seja dinâmica.

    ORDEM CRONOLÓGICA REVERSA

    Observe-se o site do Judão. Seu autor, Thiago Borbolla, trabalha praticamente sozinho e se apresenta como blogueiro. A ferramenta por trás dele é o WordPress. Porém, a organização da informação é muito mais semelhante à de um webjornal do que à de um blog. Isso porque os posts não estão ordenados cronologicamente, mas hierarquicamente. Os considerados mais importantes ganham mais destaque.

    Tradicionalmente, todo post em um blog é uma manchete. Todo novo conteúdo assume o lugar mais privilegiado na página, seja qual for sua importância, até ser substituído por conteúdo ainda mais recente. Na blogosfera valor máximo é o imediatismo. Porém, cada vez mais autores que se apresentam como blogueiros estão usando as possibilidades das novas ferramentas de publicação para criar sites organizados hierarquicamente, não cronologicamente.

    Isso significa que ou eles não estão produzindo blogs, ou os blogs não podem mais ser definidos pela ordem cronológica reversa dos posts. Em compensação, webjornais como o falecido No Mínimo e o Observatório da Imprensa passaram a organizar a informação cronologicamente, não hierarquicamente, seguindo o modelo estabelecido pelos blogs.

    ESPAÇOS PARA COMENTÁRIOS

    Quando até a Zero Hora abre para o leitor a possibilidade de fazer comentários às notícias, é porque essa prática já é mais do que aceita pelo resto da mídia. Todo webjornal que se preze hoje oferece espaços para comentar as matérias diretamente. Por outro lado, percebe-se que os blogs da "nova geração", como o Jacaré Banguela, e da antiga geração, como o Imprensa Marrom, estão deixando de lado os comentários.

    Aí está mais uma azeitona na empada dos blogs: educaram o público a tal ponto para a interação que ninguém mais admite uma notícia qualquer sem um fórum atrelado. As empresas de comunicação certamente não têm o menor interesse na opinião dos leitores. O que interessa a elas é atender a uma demanda do público e ainda fazê-lo permanecer mais tempo no site, voltando muitas vezes ao dia para conferir a caixa de comentários de que está participando. Depois, as empresas somam esses números de audiência e vendem anúncios.

    De qualquer modo, a ferramenta de comentários não pode mais ser usada como um traço definidor dos blogs.

    ONIPRESENÇA DOS BLOGS

    Como espero ter conseguido mostrar acima, as ferramentas e funcionalidades típicas dos weblogs estão sendo integradas à estrutura de toda a Web, fenômeno que borra a fronteira entre os blogs e outros sites. É isso que entendo por onipresença dos blogs.

    Um outro aspecto dessa onipresença é o fato de muitas empresas terem adotado as ferramentas de publicação usadas em blogs para criar seus sites institucionais, ou então ter criado blogs em seus sites corporativos, como forma de "humanizar" sua imagem. O caso clássico desse efeito de humanização é o de Robert Scoble e seu blog sobre a Microsoft. Também se pode lembrar que muitos veículos estão adotando o formato de blog para seus colunistas, embora seus textos muitas vezes continuem idênticos aos do jornal impresso.

    O fenômeno das colunas de jornal em formato de blog apontam para uma faceta importante da onipresença dos blogs, que é a "canibalização" de suas funcionalidades por outros tipos de serviços e sites. O Orkut e o Twitter, por exemplo, oferecem a seus usuários uma plataforma para manter diários pessoais na Web, um dos usos mais conhecidos dos blogs. Serviços de social bookmarking como o Del.icio.us e o Stumble Upon são ferramentas muito melhores para armazenar e compartilhar links, uso primevo dos blogs. Outra utilidade específica dos blogs costumava ser a hiperespecialização. Isto é, se você gosta apenas de esportes, podia ler um blog de esportes em vez de acessar todas as editorias de esportes de todos os webjornais, e assim ter as notícias já filtradas para você. Com o RSS, no entanto, é possível montar listas com todas as notícias de esportes de todos os jornais e lê-las de forma mais eficiente do que nunca.

    Essa dispersão das funcionalidades dos blogs em diversos outros serviços e sites da Web colabora para a lenta desaparição dos blogs como os conhecemos -- embora na verdade tenhamos uma imagem de blogs que remonta há coisa de 5 anos atrás. As pessoas no Brasil recém começam a deixar de lado o preconceito de que blogs são meros "diarinhos adolescentes" na Web, mas o desenvolvimento desse gênero informativo já está bem adiante.

    Finalmente, outro motivo que contribuirá para a desaparição dos blogs é a histeria da monetização. Nada contra querer ganhar dinheiro, mas percebo que muitas pessoas já entram na blogosfera pensando no Google AdSense. Isso resulta naqueles blogs horrendos, cheios de anúncios por todos os lados, que prejudicam a leitura. Podem me chamar de romântico, mas no meu tempo o sujeito primeiro se preocupava em ter algo de que falar, e os anúncios só eram aceitos se não interferissem no objetivo principal do blog, que é publicar uma informação ou opinião original e honesta.

    Tendência ainda mais prejudicial é a dos posts pagos -- o blogueiro recebe dinheiro de alguma empresa para citar ou falar bem de seu produto. Infelizmente, os autores mais preocupados em ganhar dinheiro com blogs, a ponto de venderem sua alma tão barato, não percebem que estão degradando seus próprios recursos. Qualquer empreendimento que viva de informação ou opinião tem como principal ativo a credibilidade, que é construída historicamente, à medida que os leitores verificam a honestidade do autor e a precisão das informações.

    O problema dos posts pagos é que as pessoas não são burras e logo se darão conta dessa mutreta, o que vai prejudicar não apenas os blogs que vendem seu espaço editorial, mas a blogosfera como um todo. Ninguém mais vai acreditar que não recebo um centavo sequer para falar de restaurantes no Garfada. Com a perda de credibilidade dos blogs, as pessoas voltarão à imprensa profissional ou então migrarão para outro tipo de serviço.

    ONDE ISSO VAI PARAR?

    Antes de mais nada, os blogs continuarão existindo. Ao menos, ninguém no Insanus.org pretende fechar seus veículos no futuro próximo e passar a usar outras ferramentas, ou arranjar um emprego em uma redação. Os blogs como ferramenta seguirão muito úteis, mas seu sentido de mídia alternativa revolucionária vai se perder. A maioria das pessoas passará a usar uma diversidade de ferramentas e serviços para inúmeros fins de que antes apenas os blogs davam conta. Só em casos muito específicos o formato atual continuará sendo o melhor.

    O futuro está em um killer app ainda não inventado, mas que terá o poder de reunir de maneira simples todo o conteúdo produzido pelas pessoas nos Twitters, Diggs, Last.fms e YouTubes da vida -- e, claro, em seus blogs. Em minha opinião, o Facebook e o Ning apontam o caminho. O que vocês acham disso tudo?

    12 de novembro de 2007, 19:59 | Comentários (42)



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