Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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o padre maluco e o utilitarismo

Finalmente alguém publicou uma notícia a respeito dos custos envolvidos na busca ao padre que desapareceu durante um vôo de balões no litoral catarinense. Até ontem, R$ 564 mil já haviam sido gastos pelas equipes de resgate mobilizadas, a maior parte na operação de navios da marinha.

A informação satisfaz as muitas pessoas que andam indignadas com o fato de o Estado usar recursos do contribuinte para tentar encontrar um doido varrido que resolveu imitar uma menção honrosa do Prêmio Darwin, na preparação para tanto foi expulso do curso de vôo livre e, como mostram as ligações do próprio padre durante o vôo, não se deu nem ao trabalho de aprender a usar o GPS, um equipamento essencial de segurança, antes de partir -- e partir num dia de tempo ruim. Aparentemente, Deus não gosta de gente idiota tanto quanto o processo evolutivo.

Apesar de o clérigo ter praticamente cometido suicídio com essa aventura, o Estado não tinha alternativa senão tentar encontrá-lo. Negar-se a investir recursos em buscas com o argumento da imbecilidade do desaparecido seria negar-se a cumprir o papel de protetor da população, principal motivo para a existência de um Estado em primeiro lugar. Em segundo lugar, seria dar licença ao povo para agir conforme uma visão utilitarista da vida humana. É um perigo.

Se um padre alienado não vale R$ 564 mil, na opinião do Estado, quanto valeria uma criança com síndrome de down? E um criminoso? Em alguns momentos históricos a vida humana foi avaliada conforme sua utilidade social. Os escravos romanos eram obrigados a minerar em condições desumanas, porque assim que morriam podiam ser substituídos por novos prisioneiros de guerra. Embora muito úteis fossem os escravos, ao menos no caso do Brasil a oferta era grande o suficiente para fazer com que não valesse muito a pena manter vivo um criador de casos. Durante a revolução industrial, condenados eram enviados aos trabalhos forçados, onde supostamente compensariam o custo de sua manutenção. A visão utilitarista da vida humana foi levada ao paroxismo na Segunda Guerra, quando os nazistas montaram fábricas de processamento de judeus, ciganos, comunistas, homossexuais e outros degenerados, dos quais eram retirados todos os recursos (roupas, jóias, óculos, cabelos -- que serviam para fazer tecidos --, a força de trabalho) e os resíduos (isto é, as pessoas) eram incinerados.

Abrir uma brecha ao utilitarismo dizendo que o padre não deve ser resgatado porque realizou uma aventura temerária é dar mais um passo a um futuro que foi bem imaginado por George Lucas em seu primeiro filme, THX 1138. Mostra uma sociedade distópica, em que a emoção foi banida e o valor maior se tornou a eficiência. O herói do filme acaba se apaixonando por uma moça, ambos são presos, ele resolve fugir. As máquinas que organizam a sociedade iniciam uma perseguição, mas quando estão quase o alcançando, desistem. Motivo: os recursos usados para a caçada ultrapassaram o valor de THX 1138 para o Estado.

26 de abril de 2008, 11:38 | Comentários (21)



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