Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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até que ponto a objetividade resulta em equilíbrio?

Ao contrário da rapaziada do Diário Gauche, não vejo uma conspiração das elites por trás de cada vírgula dos jornais gaúchos. Se minha visão do noticiário é distorcida, o eixo da distorção é para o lado da condescendência para com os repórteres e editores. A maioria dos equívocos que os leigos costumam atribuir a manipulações são devidos às exigências do próprio processo produtivo do jornalismo diário.

Isso dito, talvez os jornalistas gaúchos pudessem refletir sobre a cobertura da divulgação de gravações comprometedoras realizada pelo vice-governador Paulo Feijó. De sexta-feira para cá, o foco do debate mudou das declarações gravíssimas feitas pelo ex-chefe da Casa Civil, Cézar Busatto, para a inútil discussão sobre o caráter de Feijó. Francamente, as reais intenções do vice-governador não fazem a menor diferença para os fatos expostos por Busatto. O chefe da Casa Civil afirmou existir um esquema de desvio de dinheiro de estatais para financiamento de campanhas políticas desde tempos imemoriais, beneficiando principalmente o PP e o PMDB gaúchos. Ponto. O fato de ele não saber que estava sendo gravado não influi de forma alguma.

Salvo exceções, porém, o que se vê é um festival de bunda-molice na cobertura. Os repórteres -- ou os editores, vá saber -- permitem que os representantes do governo insistam na lenga-lenga de que Feijó foi antiético, imoral, bobo e feio. Dão espaço para factóides criados com a único e exclusivo objetivo de inundar a mídia com a versão do Piratini. Até agora, não se viu uma só frase dando qualquer explicação sobre os fatos graves confiados por Busatto a Feijó, apenas evasivas. O que também não se viu é jornalistas botando Busatto & Companhia contra a parede. Estão aceitando a retórica sem nenhuma crítica.

É preciso ler muito nas entrelinhas para entender o que realmente está se passando. Essa reportagem de Moisés Mendes mostra como existe uma orquestração do Piratini para esvaziar as autodenúncias de Busatto. Essa outra, de Leandro Fontoura, indica que Feijó não estava especialmente mal intencionado a respeito da conversa e que, ao contrário do que vem afirmando o governo, avisou, sim, a respeito da gravação antes de divulgá-la. O problema é que são duas gotas num oceano de uma falsa discussão a respeito da legalidade e da ética de se gravar conversas de servidores públicos.

Isto é, a cobertura está desequilibrada. A imprensa está seguindo tudo o que vem do governo, quando deveria fazer justamente o contrário. É preciso entrevistar mais pessoas de fora, arranjar fontes nas empresas estatais, tentar comprovar as acusações de Busatto e, principalmente, procurar se ater ao ponto principal: o chefe da Casa Civil disse que existem ilicitudes em seu governo durante uma conversa privada em que não sabia estar sendo gravado, ou seja, falando despido de retórica. Em vez disso, temos uma supervalorização desse falso debate sobre a legalidade -- falso até porque juristas já garantiram que Feijó agiu dentro da lei.

Os jornalistas se defenderão dizendo que estão apenas relatando objetivamente os fatos, buscando extirpar o máximo possível os juízos de valor, como se espera deles. Têm razão até certo ponto. O problema é que as gerações atuantes no mundo de hoje já cresceram num ambiente midiatizado e se educaram sobre como a imprensa funciona. Conseqüentemente, aprenderam como criar acontecimentos artificiais. Reportar tais acontecimentos sem questioná-los não é ser objetivo, é ser um mero laranja da desinformação.

Este seria o momento de a imprensa cumprir seu papel mais fundamental, que é explicar o mundo para o cidadão. Tomar posição contra a política feita na base da retórica e do factóide. Deixar bem claro que não aceitaremos ser levados na conversa dessa vez. As denúncias de falcatruas devem ser feitas sob quaisquer circunstâncias, por qualquer pessoa, através de quaisquer meios. O que está em jogo é o fato de os ocupantes do Piratini, Assembléia e Praça Montevideo estarem lá para servir o povo, como representantes do povo, e não para se manterem aferrados ao poder por meios escusos. Esse é o foco a se manter claro durante a cobertura da história. Caso contrário, talvez Marcelo Rech queira refletir sobre o porquê de os jornais serem obrigados a subornar assinantes com badulaques e frescuradas, em vez de serem procurados pelos leitores por sua relevância social.

8 de junho de 2008, 23:16 | Comentários (23)



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