Comentários sarcásticos, crítica vitriólica e jornalismo a golpes de martelo por Marcelo Träsel


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medo e delírio no festival do anchieta

A minha advogada sefaradi comentou em uma mesa de bar na semana passada que iria ao Festival Interno da Canção Anchietana, ou Fica. Como estava já umas sete doses acima do resto da humanidade, deixei uma onda de nostalgia tomar meu aparelho vocal e pedir a ela que me comprasse um ingresso também. Quando me recuperei da ressaca, era tarde. Só restou ir à antiga prisão de Abu Ghraib* no último sábado, às 16h30.

A idéia na verdade era encher a cara antes de entrar, para que pudesse perder a vergonha de me misturar a adolescentes e pais de candidatos a músicos para ver péssimos shows. Infelizmente, a única droga que posso tomar por algumas semanas são antibióticos pesados. Talvez seja uma boa coisa, já que no fundo o álcool era o culpado por me levar a assistir completamente sóbrio ao Fica. Revoltado com o destino, comprei uma lata de Fanta Uva no posto de gasolina em frente ao Anchieta.

Corante roxo deve ser uma droga forte. Só isso explica ter dado de cara com um bando de pagodeiros na entrada do ginásio. Em 1993 seria impensável uma banda de pagode tocar no Fica. Bandas de reggae costumavam ser recebidas com uma artilharia de latas para Carlinhos Brown nenhum botar defeito. A gurizada da época só aceitava o Metauuuuu — e tolerava o Grunge. Sim, só podia ser alucinação.

Não parou por aí. Os efeitos psicotrópicos da Fanta Uva me fizeram ver os nerds bem vestidos, enquanto os mauricinhos pareciam estar prontos para sentar no sofá e assistir à Sessão da Tarde. Bermudas, chinelos, calças fuzô, malhas de ginástica. Do lado dos nerds, All Star e Adidas, paletós, malhas listradas, acessórios. Apenas uma menina parecia ter se inspirado na Nina Hagen dos anos 80, mas ainda assim parecia ter se preocupado mais com a roupa do que qualquer nerd que se prezasse nos anos 90: basicamente, você se vestia como um pedreiro gótico ou um contador daltônico. Isso para não falar que, enquanto nós tomávamos vodca Walesa ou cachaça Sete Campos antes de entrar no Fica, os rebeldes de hoje compram cerveja no posto de gasolina em frente ao colégio. Maricas!

Para meu alívio, a onda passou quando estava prestes a entrar numa bad trip. É que pareceu que tivesse visto um cabeludo gordinho de óculos — aliás, o fato de que a proporção de cabeludos e normais se inverteu nos últimos dez anos também chamou a atenção — agarrando uma loirinha gostosa. Isso já era demais! Apesar do geek pride, a situação era... Errada! Comecei a ficar paranóico, achando que tinha tomado Fanta Uva demais, mas aí notei que eram apenas irmãos. Ou será que...?

Os shows foram todos lamentáveis até que a banda Spitfire entrasse no palco tocando Aces high. Quase chorei de emoção ao lembrar da minha jaqueta de brim com patches do Sepultura, o símbolo do anarquismo e de meus coturnos. Nem deu para sentir vergonha do vocalista de uns 30 anos que pensava ser o Bruce Dickinson. Ainda assim, não me animei a pogar com a gurizada. Hoje em dia os hematomas levam muito mais tempo para se curar.

A Spitfire tocou bem, mas na minha opinião o prêmio iria para a Gádot, uma banda de pré-adolescentes fãs de NOFX. Tocaram Deus é gaúcho em versão hardcore, mandaram todo mundo tomar no cu e chutaram as latas que povoavam a beira do palco na platéia. Os amigos da banda promoveram uma sessão de violência que não ficou devendo nada aos metaleiros dos anos 90. Quando terminaram suas quatro músicas e a próxima banda já estava no palco, emendaram com a versão do Tequila Baby para Love me do — e nem devem saber quem foram os Beatles. Gurizada responsa.

Depois disso, o Fica tinha acabado para mim. Nem fiquei para ver quem ganhou. Até porque, ao contrário dos anos 90, quando era apresentado por gente como Astrid e trazia bandas como Kid Abelha [é, pois é], Bandaliera e até Rosa Tattooada, se não falha a memória, o festival daquele domingo terminaria com Os Bacanas.

* Lembro especificamente de quando minha mãe foi chamada para conversar com a orientadora pedagógica, sob alegação de que meus textos eram imaginativos DEMAIS.

20 de novembro de 2006, 12:06 | Comentários (20)



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