vergonha.
Há semanas quero falar sobre Israel e acabei mesmo perdendo um pouco o timing, mas como o assunto nunca morre de todo, e nem tem começo ou fim, não faz mal. Desde que nasci, estou enfiada nessa problemática. Meus avós maternos são judeus e moravam em Alexandria, no Egito. Seus pais tinham vindo de vários pontos: Turquia, Palestina, Marrocos. Nós somos judeus sefaradis, esses que são da Espanha e do norte da África. Você provavelmente conseguiria identificar melhor os ashkenazi, o outro tipo, da Alemanha, Polonha, Leste Europeu. Os ashkenazi falam ídiche e tem aqueles nomes obviamente judeus, como Sirotsky. E, embora a maioria das pessoas sequer saiba que existe essa divisão - sefaradis e ashkenazis - ela é tão concreta a ponto de haver sinagogas para sefaradis e sinagogas para ashkenazis. Em Porto Alegre, por exemplo, a sinagoga sefaradi fica na Fernando Machado, perto dos antiquários. As outras são ashkenazis e, aliás, não é a toa que estão concentradas no Bonfim: historicamente, ashkenazis sempre tiveram uma maior tendência a viver em guetos.
Em Alexandria, judeus e árabes viviam misturados a franceses, ingleses e etc. Meu vô falava árabe e francês, minha vó só francês, a língua oficial. A coisa toda é sempre descrita com o suspiro saudoso típico dos emigrados, sobretudo os emigrados por falta de opção: em 1957, Israel e Egito estavam disputando o Canal de Suez. Nasser portanto resolveu expulsar todos os judeus do território egípcio. Minha mãe tinha quatro anos. Foi assim que minha família e uma porção de outras, que inclusive estão hoje em Porto Alegre, vieram parar no Brasil, após terem a entrada negada na França e na Itália. Em Israel nem pensaram em ir. Eram os judeus pobres e sem formação que estavam sendo financiados para ocupar Israel.
Sempre fui orgulhosa de toda essa história e da maneira como construíram a nova vida no novo país. Era muito orgulhosa de ser judia (embora totalmente distante e ignorante em termos religiosos) e resistente às piadas sobre pão-durismo, afinal havia coisas muito mais inteligentes a serem analisadas, por exemplo o fato de que os judeus são 0,05% da população, mas ganharam mais de 20% dos prêmios Nobel.
Mas o problema agora é Israel. Se antes dava pra dizer sou judia de cabeça erguida, agora o sou judia é um convite pra ser mal interpretada. Na verdade, eu não consigo mais dizê-lo, que não seja acompanhado de uma dezena de frases que demonstrem o meu repúdio às vergonhosas atitudes de Israel. Não é difícil perceber que, embora ser judeu é uma coisa e ser israelense é outra, a imagem negativa está respingando em todos os judeus do mundo.
Uma ex-colega minha que está com o pezinho em Israel colocou junto ao seu nome no msn duas frases capazes de envergonhar toda a raça. Na primeira semana era: “Enquanto crianças árabes são treinadas para atirar, outras morrem pelo simples fato de serem judias”. Simplismo embaraçoso. Pela segunda ela devia ser PRESA: “Se os Árabes largassem suas armas hj, ñ teriamos mais violência. Se os Judeus largassem suas armas hj, ñ teriamos mais ISRAEL!!!”.
Conheço pessoas que, no calor do debate, dizem que, se era pra criar Israel, que tivessem tirado um pedaço da Alemanha. Pode fazer sentido. A questão é que, se milhões de judeus morreram na Segunda Guerra, a piedade mundial pós-guerra diminuiu drasticamente o anti-semitismo, humanizou os judeus. Foi uma bela melhora involuntária na imagem, se você levar em conta que, alguns séculos atrás, o gueto judaico de Veneza por exemplo não era um aglomerado de casas onde estavam os judeus (como eu mesma pensava antes de ler sobre), mas uma fortificação na qual as portas eram trancadas por fora à noite pelas autoridades, além de outros requintes da mais pura maldade. Mas quando um povo reprimido assim torna-se repressor, nos é jogado na cara da forma mais cruel possível que ocupar uma posição ou outra nada tem a ver com caráter, mas com oportunidade.
Israel obviamente está colocando tudo a perder.
Nunca se viu um trabalho tão ruim de relações públicas.

postado por Carol Bensimon as 15:55 | pitacos (17) | trackBack (0)

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